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Todas as Glórias a Sri Guru e Sri Gauranga

Nitai Gaura Hari Bol

 

Mahabharata

Volume 3

 

Capítulo 70

O Sétimo Dia

Duryodhana, ferido em todo o corpo e com muito sofrimento, foi até Bhisma e disse:

"A batalha tem sido contra nós todos os dias. Nossas formações são quebradas e nossos guerreiros são mortos em grande número. Você procura não fazer nada".

O patriarca acalmou Duryodhana com palavras de consolo:

"Por que você se deixa ficar desanimado? Aqui estamos todos nós, Drona, Shalya, Kritavarma, Asvatthama, Vikarna, Bhagadatta, Shakuni, os dois irmãos de Avanti, o soberano de Trigarta, o rei de Magadha, e Kripacharya. Com todos esses heróis aqui, prontos para darem a vida por você, por que deve se sentir desmotivado? Livre-se desse humor de depressão".

Ao dizer isso, ele deu as ordens do dia.

O patriarca disse a Duryodhana: "Veja aí. Esses milhares de veículos, cavalos e cavaleiros, grandes elefantes de guerra, esses soldados armados a pé de vários reinos todos prontos para lutar por você. Com este excelente exército, você pode derrotar até os deuses. Não tenha medo".

Assim ele animou o deprimido Duryodhana, e deu a ele um bálsamo cicatrizante para suas feridas. Duryodhana o passou em suas inumeráveis feridas e se sentiu aliviado.

Ele foi para o campo, entusiasmado pelas palavras de confiança do patriarca. O exército estava organizado em formação circular naquele dia. Para cada elefante de guerra, tinham sete quadrigas totalmente equipadas.

Cada quadriga era protegida por sete cavaleiros. Cada cavaleiro era protegido por dez soldados com escudo. Todos usavam armaduras.

Duryodhana estava brilhante como Indra no centro de seu grande e bem equipado exército. Yudhisthira organizou o exército Pandava em vajra-vyuha (raio). Neste dia de batalha, aconteceu com combate ardente simultaneamente em vários setores.

Bhisma defendeu pessoalmente o ataque de Arjuna. Drona e Virata se enfrentavam em outro ponto. Shikhandi e Asvatthama travavam uma grande batalha em outro setor.

Duryodhana e Dristadyumna combatiam um contra o outro em outro ponto ainda. Nakula e Sahadeva atacaram seu tio Shalya. Os reis de Avanti atacaram Yudhamanyu, enquanto Bhimasena atacou Kritavarma, Chitrasena, Vikarna e Durmarsha.

Aconteceram grandes combates entre Ghatotkacha e Bhagadatta, entre Alambasa e Satyaki, entre Bhurishrava e Dhrishtaketu, entre Yudhisthira e Shrutayu e entre Chekitana e Kripa.

No combate entre Drona e Virata, este levou a pior e teve que subir na quadriga de seu filho Sanga, depois de perder sua quadriga, cocheiro e cavalos.

Os filhos de Virata, Uttara e Sveta morreram no primeiro dia de batalha. Nesse sétimo dia, Sanga também foi morto quando seu pai veio para o seu lado. Shikhandi, filho de Drupada, foi derrotado por Asvatthama.

Sua quadriga foi despedaçada e ele pulou, e lutou com espada e escudo. Asvatthama acertou sua seta na espada e a quebrou. Shikhandi então girou a espada quebrada e a atirou contra Asvatthama com uma tremenda força, mas foi aparada por uma flecha de Asvatthama.

Shikhandi, derrotado terrivelmente, subiu na quadriga de Satyaki e se retirou. Na luta de Satyaki e Alambasa, esse levou a pior no começo mas se recuperou e Alambasa teve que fugir.

No combate entre Dristadyumna e Duryodhana, os cavalos deste foram mortos e ele teve que saltar da quadriga. Entretanto, ele continuou a lutar com a espada em punho. Shakuni veio e levou o príncipe embora em sua quadriga.

Kritavarma fez um forte ataque contra Bhima mas levou a pior. Ele perdeu sua quadriga e cavalos assim reconheceu a derrota e fugiu no veículo de Shakuni, com as flechas de Bhima espetadas em todo seu corpo, que fez com que parecesse um porco espinho a correr na floresta.

Vinda e Anuvinda de Avanti foram derrotados por Yudhamanyu, e seus exércitos foram totalmente destruídos. Bhagadatta atacou Ghatotkacha e botou para correr todos os seus ajudantes.

Mas, sozinho, Ghatotkacha resistiu e lutou bravamente. Mas no fim, teve que se salvar e fugiu, o que alegrou todo o exército Kaurava.

Shalya atacou seus sobrinhos. Os cavalos de Nakula foram mortos e ele teve que se juntar a seu irmão em sua quadriga. Os dois continuaram a lutar no mesmo veículo. Shalya foi atingido por uma flecha de Sahadeva e desmaiou. O cocheiro dirigiu o veículo com muita habilidade e salvou Shalya.

Quando o rei de Madra (Shalya) foi visto em retirada do campo de batalha, o exército de Duryodhana perdeu o ânimo e os dois filhos de Madri soaram seus búzios em triunfo. Assim, aproveitaram a vantagem da situação e causaram um grande dano nas forças de Shalya.

Na tarde, Yudhisthira liderou um ataque contra Shrutayu. As flechas certeiras deste interceptaram os projéteis de Dharmaputra, sua armadura foi perfurada e ele ficou gravemente ferido.

Yudhisthira então perdeu seu controle e disparou uma poderosa flecha que perfurou o peitoral de Shrutayu. Nesse dia, Yudhisthira não estava em seu humor normal e queimava de ira.

O cocheiro e os cavalos de Shrutayu foram mortos, a quadriga foi despedaçada e ele teve que fugir a pé do campo. Isso completou a desmoralização do exército de Duryodhana.

No ataque a Kripa, Chekitana perdeu sua quadriga e cocheiro, então saltou e atacou o cocheiro e os cavalos de Kripa com a maça na mão e os matou.

Kripa também saltou, e em pé no chão, disparou suas flechas. Chekitana ficou gravemente ferido. Então, ele girou sua maça e arremessou contra Kripacharya, mas este foi capaz de interceptá-la com sua flecha.

Depois disso, eles lutaram com as espadas em punho. Ambos foram feridos e caíram no chão, quando Bhima veio e levou Chekitana em sua quadriga. Shakuni da mesma forma levou embora o ferido Kripa em seu veículo.

Noventa e seis flechas de Dhrishtaketu atingiram Bhurishrava. E o grande guerreiro parecia como o Sol radiante de glória com as flechas fincadas em seu peitoral que brilhavam em volta de sua face radiante. Mesmo nessa condição, ele forçou Dhrishtaketu a reconhecer a derrota e bater em retirada. Três irmãos de Duryodhana atacaram Abhimanyu que infligiu uma severa derrota a eles mas poupou suas vidas, porque Bhima jurou que os mataria. Depois disso, Bhisma atacou Abhimanyu.

Arjuna viu isso e disse ao seu ilustre cocheiro: "Krishna, conduza o veículo em direção a Bhisma".

Nesse momento, os outros Pandavas se juntaram a Arjuna. Mas o patriarca conseguiu resistir contra os cinco até o pôr-do-sol, e a batalha foi suspensa por aquele dia. E os guerreiros dos dois lados, fatigados e feridos, foram para suas tendas para descansar e tratar os ferimentos.

Depois disso, por uma hora, uma música suave tocou, para acalmar os guerreiros em seu descanso. O poeta diz que essa hora passou sem nenhuma palavra sobre guerra ou ódio. Foi uma hora de bem-aventurança celeste, e foi uma bela cena de ser vista. Podemos notar aqui uma das grandes lições contidas no Mahabharata.

 

Capítulo 71

O Oitavo Dia

Quando o oitavo dia raiou, Bhisma organizou seu exército em formação de tartaruga. Yudhisthira disse a Dristadyumna:

"Veja lá, o inimigo está em kurma-vyuha (formação de tartaruga). Você tem que responder imediatamente com uma formação que possa quebrá-la".

Dristadyumna cumpriu sua tarefa imediatamente. As forças Pandavas foram organizadas em formação de tridente.

Bhima assumiu a liderança dum dente, Satyaki noutra, e Yudhisthira ficou no topo da divisão central. Nossos ancestrais desenvolveram a ciência da guerra muito bem.

Isso não ficou só na escrita, mas foi preservada pela tradição nas famílias dos kshatriyas. Blindagem e táticas eram empregadas corretamente para defender as armas de ataque e as táticas que o inimigo usava naquele tempo.

Os assuntos militares da Antiguidade eram preocupação da classe militar, os kshatriyas. Sua cultura e treinamento eram inteiramente da conta deles. Os princípios e segredos da ciência militar eram passados de geração a geração pela tradição e instruções pessoais.

Não há literatura militar, e também não é uma preocupação dos poetas e rishis. Os autores não se importam com a descrição de detalhes técnicos em suas obras. Portanto, não podemos esperar que Srila Vyasadeva explique os detalhes do que é uma formação de tartaruga ou de flor de lótus em seu Épico. Também, é muito difícil para as pessoas de hoje entenderem a "tecnologia" mística daquela época, como disparar um fluxo contínuo de flechas, ou interceptar projéteis no ar, ou como alguém pode sobreviver depois de perfurado por várias flechas. Todos os personagens do Mahabharata são personalidades divinas que vieram para participar nos passatempos transcendentais da Suprema Personalidade de Deus.

Esse é mais um indício de que existiu uma civilização muito mais avançada do que a contemporânea, apesar de todo orgulho e convencimento sobre a tecnologia moderna. Por isso, recomendamos com insistência a leitura dos Livros Divinos de Sua Divina Graça Srila Bhaktivedanta Swami Maharaj Prabhupada para quem quiser se aprofundar no assunto, e compreender melhor a Natureza Material e a Natureza Transcendental do Reino de Deus, bem como o Supremo Senhor e Seus passatempos transcendentais.

Bhima matou oito filhos de Dhritarastra na manhã daquele dia de batalha. O coração de Duryodhana perdeu a coragem depois disso. Seus amigos acharam que Bhimasena ia cumprir sua vingança nesse mesmo dia, como ele jurou no salão da assembléia, onde o grande ultraje aconteceu.

Arjuna sofreu uma grande perda nesse dia de batalha. Seu filho querido Iravan foi morto. Este filho de Arjuna com sua esposa Naga veio e se juntou aos Pandavas em Kurukshetra. Duryodhana mandou seu amigo, o Rakshasa Alambasa, para enfrentar o guerreiro Naga.

Iravan foi morto depois dum combate violento. Quando Arjuna soube disso, ficou completamente arrasado. Ele se dirigiu a Vasudeva, e disse: "Vidura nos disse a verdade claramente que ambos os lados sofreriam uma tristeza insuportável. Por que fazemos esta destruição maligna um do outro? Somente por propriedade. Depois de toda esta matança, que prazer nós ou eles teremos no fim? Ó Madhusudana, agora entendo porque Yudhisthira de longa visão disse que ficaria contente se Duryodhana nos desse apenas cinco vilas, e ficasse com todo o resto, e não recorreria à luta se ele tivesse concordado. Duryodhana, com sua estupidez obstinada, recusou a dar até mesmo essas cinco vilas, assim estes grandes pecados tiveram que ser cometidos por ambos os lados. Vou continuar na luta senão os homens pensarão que sou um covarde, o que poderia conduzir a erro. Quando vejo os guerreiros mortos deitados no chão, meu coração se enche duma angústia insuportável. Ó, como somos maus em continuar nesse caminho miserável e pecaminoso".

Ao ver Iravan morto, Ghatotkacha soltou um alto grito de guerra que fez todos os soldados presentes tremerem. E com sua divisão, ele atacou o exército Kaurava furiosamente. A destruição feita por ele foi tão grande que a formação Kaurava foi quebrada em vários pontos.

Ao ver isso, Duryodhana liderou um ataque pessoalmente contra o filho de Bhima. O rei de Vanga se juntou a Duryodhana com seus elefantes. Duryodhana lutou com muita bravura nesse oitavo dia de guerra. Ele matou um grande número de soldados no lado de Ghatotkacha.

Ghatotkacha atirou um arpão que teria terminado a carreira de Duryodhana se não fosse pela imediata intervenção do líder Vanga com um de seus elefantes.

A projétil atingiu o animal, que caiu morto, e Duryodhana foi salvo.

Bhisma ficou apreensivo sobre Duryodhana e mandou uma grande força sob o comando de Drona para proteger o príncipe.

Muitos dos veteranos estavam nessa tropa que atacou Ghatotkacha.

Foi um combate tumultuado e violento nesse setor da batalha, até que Yudhisthira temeu pela segurança de Ghatotkacha e mandou Bhima ajudá-lo.

A batalha ficou mais violenta ainda. Dezesseis irmãos de Duryodhana morreram nesse dia.

 

Capítulo 72

O Nono Dia

Na manhã do nono dia, antes do começo da batalha, Duryodhana estava em reunião fechada com o patriarca. Ele deu vazão a seus sentimentos amargurados de desapontamento sobre a forma como a guerra andava. Ele disse palavras que eram como lanças afiadas que feriram o patriarca gravemente mas este teve paciência e disse com tristeza:

"Como o ghi no fogo de sacrifício eu jogo minha vida por você. Por que você tenta me mortificar, que tenho feito o melhor de mim por você? Você fala como um homem sem compreensão, que não sabe o que é certo e o que é errado. É dito que, quando alguém está perto da morte, uma árvore parece ser de ouro. Você vê as coisas agora, não como elas são. Sua visão está obscurecida. Você colhe a safra de ódio que semeou deliberadamente. O melhor curso para você é continuar a lutar, tão bem quanto puder. Esse também é o caminho claro do dever. Não é possível para eu combater Shikhandi, pois não posso levantar minha mão contra uma mulher. Nem posso com minhas mãos matar os Pandavas, pois minha mente se revolta contra isso. Farei tudo com essas duas exceções e combaterei todos os guerreiros que se opõem a você. Não se ganha nada com a perda do coração. Lute como um kshatriya faz, e você será honrado não importa o que ocorrer".

Ao dizer isso a Duryodhana, para animá-lo com palavras sábias e afetuosas, Bhisma procedeu para dar as instruções de organização das tropas naquele dia de batalha.

Duryodhana estava encorajado. Ele foi até Dushasana e disse a ele: "Irmão, ponha toda nossa força na batalha de hoje. Estou convencido de que o patriarca luta do nosso lado com todo seu coração. É só contra Shikhandi que ele não pode usar suas armas. Temos que cuidar para que ele não se exponha aos ataques de Shikhandi, pois você sabe que mesmo um cão selvagem pode matar um leão se este não se defender".

Houve um grande combate entre Abhimanyu e Alambasa. Abhimanyu demonstrou que sua bravura não era menor que a do seu pai. Alambasa teve que fugir a pé para se salvar.

Aconteceram combates violentos entre Satyaki e Asvatthama, e entre Drona e Arjuna. Depois, todos os Pandavas atacaram o patriarca, e Duryodhana mandou Dushasana para proteger o velho guerreiro. Bhisma lutou furiosamente e fez os Pandavas recuarem.

As tropas dos Pandavas foram totalmente desmoralizadas quando tiveram que fugir por todos os lados, como o gado perdido na floresta.

Krishna parou a quadriga e disse a Arjuna: "Partha, você e seus irmãos esperaram por este dia, depois de treze anos. Não hesite em matar o patriarca. Lembre-se do dever dum soldado".

Arjuna abaixou sua cabeça, e sem olhar para cima, respondeu: "Eu preferia muito mais continuar no exílio da floresta do que matar o patriarca e os mestres que amo, mas vou obedecer. Vá em frente".

O coração de Arjuna não estava na batalha. Sem querer e com uma grande angústia mental, ele procedeu para o combate. Bhisma, por sua vez, ardia ferozmente como o Sol do meio-dia.

Quando o exército viu a quadriga de Arjuna avançar em direção a Bhisma, recuperou a coragem e a ordem foi restabelecida. As flechas de Bhisma vinham rápidas e espessas tanto que cobriram a quadriga que avançava completamente, e não se podia ver mais nem os cavalos nem o veículo.

Krishna não se perturbou e dirigiu em frente com cautela e habilidade. As setas de Arjuna atingiram o arco de Bhisma e o despedaçaram várias vezes. Mas o patriarca sempre renovava sua arma.

"Você não luta como deveria, Arjuna"! Exclamou Krishna, que pulou furioso da quadriga, pegou Seu disco e avançou para o patriarca.

Bhisma viu Vasudeva Se aproximar.

Ele gritou: "Ave, ó Senhor de olhos de lótus! Sou abençoado por ser separado de meu corpo por Você! Venha, venha"!

Arjuna pulou da quadriga, correu, alcançou Krishna, e O segurou por abraçá-Lo com seus dois braços. Ele gritou: "Pare Krishna! Não quebre Sua palavra. Você prometeu não usar armas nesta batalha. Este é meu dever. Eu não falharei. Vou atirar minhas flechas e matarei o patriarca eu mesmo. Imploro que volte para o carro e pegue as rédeas".

Arjuna trouxe Krishna de volta e a batalha recomeçou. As tropas Pandavas estavam desordenadas, mas agora o Sol estava no oeste e a luta terminou por aquele dia.

 

Capítulo 73

O Falecimento de Bhisma

Krishna ataca o Patriarca Bhisma

Era o décimo dia de batalha. Arjuna manteve Shikhandi na sua frente e atacou Bhisma. Quando os dardos de Shikhandi perfuraram seu peito, saíram fagulhas dos olhos do patriarca.

Por um momento, a ira do velho guerreiro cresceu como o fogo ardente e seus olhos brilharam como se fossem consumir Shikhandi. Mas, imediatamente o patriarca se controlou.

Ele decidiu não aceitar a provocação para lutar contra Shikhandi, que nasceu mulher e atacá-lo seria indigno dum guerreiro.

Ele sabia, entretanto, que seu fim estava perto e se acalmou. Shikhandi continuou a atirar suas flechas, sem se importar com a batalha de emoções na mente de seu oponente.

Arjuna também endureceu seu coração, e atrás de Shikhandi, mirava as flechas nos pontos fracos da armadura de Bhisma, mesmo assim o patriarca permaneceu firme.

Bhisma sorriu enquanto as flechas continuavam a feri-lo profundamente, então se voltou a Dushasana, e disse: "Ah! Essas flechas são de Arjuna! Não podem ser de Shikhandi, porque queimam minha carne assim como os jovens caranguejos dilaceram o corpo da sua mãe".

Assim o patriarca via as flechas de seu querido pupilo, enquanto falava com Dushasana, ele pegou um arpão e atirou contra Arjuna. Arjuna o interceptou com três flechas e o despedaçou quando ainda estava no ar.

Bhisma então decidiu terminar o combate e tentou sair da sua quadriga, com espada e escudo nas mãos. Mas antes que pudesse descer, seu escudo foi despedaçado pelas flechas de Arjuna.

Com flechas espetadas em todo seu corpo com tanta intensidade que não havia nem mesmo um centímetro de espaço vazio, Bhisma caiu abruptamente de sua quadriga no chão.

Quando ele caiu, os deuses, que assistiam do alto, prostraram suas mãos em saudação com reverência, e uma suave brisa, carregada com fragrância perfumada e gotas de chuva refrescantes, borrifaram todo o campo de batalha.

Assim caiu o grandioso e virtuoso Bhisma, o filho de Ganga, que veio à Terra para consagrá-la bem como tudo que ela suporta.

O impecável herói que, mesmo sem ser solicitado, fez uma grande renúncia para dar alegria a seu pai. O arqueiro invencível, que humilhou o orgulho do Rama com machado (Parashurama). O trabalhador abnegado pelo bem da justiça assim quitou seu débito com Duryodhana, e deitado com ferimento mortal santificou com o sangue de sua vida o campo de batalha. Quando o patriarca caiu, os corações dos Kauravas também caíram com ele.

O corpo de Bhisma não tocou o chão, por causa das inúmeras flechas espetadas em todo seu corpo. Seu corpo brilhou muito mais do que antes, como se estivesse deitado numa cama de honra, apoiada pelas setas que perfuraram sua carne.

Ambos exércitos pararam de lutar e todos guerreiros correram e se reuniram em volta do grande herói, deitado em sua cama de flechas. Os reis da Terra ficaram com suas cabeças prostradas em volta dele, do mesmo modo como os deuses rodeiam Brahma.

"Minha cabeça está sem apoio", disse o patriarca. Os príncipes que estavam perto correram e trouxeram almofadas. O velho guerreiro as rejeitou com um sorriso e disse a Arjuna: "Querido filho Partha, dê-me um travesseiro digno dum guerreiro".

Quando Arjuna, cujas flechas queimavam a carne do patriarca, ouviu essas palavras dirigidas a ele, pegou três flechas de sua aljava e as ajeitou para que a cabeça do patriarca se apoiasse em suas pontas.

Bhisma se dirigiu aos comandantes reunidos e disse: "Príncipes, as flechas de Arjuna eram o apoio que minha cabeça precisava realmente. Este travesseiro me dá satisfação. Agora, permanecerei deitado até que o Sol se volte para o norte. Minha alma não partirá até antão. Na hora que eu for embora, aqueles que estiverem vivos ainda podem vir e me ver".

Então o patriarca se dirigiu a Arjuna novamente e disse: "Estou atormentado com muita sede. Consiga alguma água para eu beber". Imediatamente, Arjuna levantou seu arco, estirou a corda até sua orelha e atirou uma flecha para baixo no chão perto do patriarca em seu lado direito.

Do buraco feito pela flecha, jorrou um fluxo de água doce cristalina bem nos lábios do moribundo. Ganga veio, disse o poeta, para saciar a sede ardente de seu filho querido. Bhisma bebeu e ficou muito feliz.

"Duryodhana, seja inteligente"! Disse Bhisma para o príncipe Kaurava. "Você viu como Arjuna trouxe água para matar minha sede? Quem mais neste mundo pode fazer tal façanha? Faça as pazes com ele sem mais demora. Que a guerra cesse com minha saída. Ouça-me, filho, faça as pazes com os Pandavas".

As palavras do patriarca não agradaram Duryodhana. Mesmo quando está para morrer, o paciente não gosta do remédio. Ele rejeita seu sabor amargo. Todos os príncipes se retiraram para seus acampamentos.

 

Capítulo 74

Karna e o Patriarca

O Patriarca Bhisma no leito de flechas

Quando soube que Bhisma caiu ferido e ia morrer, Karna correu até o local, caiu a seus pés, e disse:

"Ó mais velho da dinastia. O filho de Radha, que apesar de nenhuma falta sua, causou-lhe um grande desgosto, prostra-se humildemente perante você".

Quando Karna se levantou depois desta humilde saudação, o patriarca, muito comovido, colocou sua mão na cabeça de Karna com muito afeto e o abençoou.

Ele disse num tom amoroso: "Você não é filho de Radha, meu jovem rapaz. Você é o primeiro filho de Kuntidevi. Narada, que conhece todos os segredos do mundo, me revelou isto pessoalmente. Filho de Surya, sinceramente não tenho nenhum desafeto por você. Mas fiquei preocupado ao ver seu crescente ódio pelos Pandavas apesar de não darem nenhum motivo para isto. Eu conheço e admiro sua bravura e sua mão aberta. E também sei que você está no mesmo nível que Phalguna (Arjuna) e Krishna em habilidade. É correto que você faça amizade com os Pandavas. Este é o caminho correto para você seguir por ser irmão deles. Com o final de minha participação nesta batalha, que o capítulo da sua inimizade também acabe. Este é o meu desejo, Karna".

Karna ouviu com respeito e disse: "Patriarca, sei que sou filho de Kunti, e não nasci do cocheiro. Mas eu comi o sal de Duryodhana e preciso ser fiel a ele, para ser sincero com minha própria linhagem. É impossível, eu ir para o lado dos Pandavas agora. Você deve permitir que eu pague com minha vida, se for este o débito que tenho com Duryodhana por causa de seu amor e confiança. Eu errei muito com palavras e ações. Você tem que me perdoar por tudo isto e me dar suas bênçãos".

O grande acharya, que conhecia todas as leis de conduta e o que Karna disse, respondeu: "Reflita por um momento e depois faça como quiser, pois esse será o caminho certo".

Mesmo com Bhisma ferido mortalmente e deitado, a batalha não cessou. Os Kauravas com desprezo às palavras de sabedoria do patriarca continuaram a batalha.

Sem a liderança de Bhisma, as tropas Kauravas caíram como ovelhas sem pastor, quando Bhisma não as liderou mais. Mesmo assim, com Bhisma ferido mortalmente, os homens gritavam:

"Ó Karna, você é o único que sobrou para nos liderar e proteger".

Os guerreiros Kauravas achavam isto, se Karna aceitasse assumir o comando, a vitória estava garantida. Durante os dez primeiros dias quando Bhisma liderou as tropas, o filho de Surya ficou fora da batalha.

Como já foi narrado, altamente ferido pelo desprezo do patriarca, Karna disse: "Enquanto você lutar, eu ficarei de fora. Se você matar os Pandavas e trazer a vitória para Duryodhana, ficarei feliz. Depois então, vou me despedir do rei, e partirei para a floresta. Mas, se você for derrotado e for para a morada dos bravos, eu que não sou considerado por você como um adhiratha (mestre no combate em quadriga) montarei em minha quadriga e combaterei aqueles que você considera mais poderosos do que eu. Vou derrotá-los e trazer a vitória para Duryodhana".

Assim foi o juramento de Karna, e com o consentimento de Duryodhana, ele ficou fora da batalha durante os dez primeiros dias. Agora, ele foi a pé até Bhisma que estava deitado em sua cama de flechas a esperar pelo seu fim, saudou-o e disse a ele:

"Patriarca veterano, vencedor de Parashurama, você caiu no campo de batalha, ferido por Shikhandi. Se você, que alcançou o acme da vida justa e é a personificação da própria pureza, tem que deitar ferido desta forma, é claro que ninguém pode obter neste mundo o que merece por mérito. Você era o barco que os príncipes Kauravas dependiam para cruzar sua inundação de problemas. Os golpes que os Pandavas darão contra os Kauravas agora serão violentos e o sofrimento conseqüente deles será enorme. Como o fogo e o vento que queimam uma floresta, Arjuna e Krishna destruirão o exército Kaurava. Isto é certeza. Volte seus olhos graciosos para mim e me abençoe, pois aceitei o comando das tropas".

Bhisma deu suas bênçãos a Karna: "Você é como a boa terra para as sementes, como as nuvens de chuva para os seres vivos, sempre dependente e firme em sua lealdade. Sirva Duryodhana e salve-o. Você venceu os Kambojas para ele. Pôs abaixo os Kiratas na fortaleza do Himalaia por ele.Você lutou contra os Girivrajas por ele e os derrotou. Você conquistou muitas outras coisas para ele. Encarregue-se do exército Kaurava agora como sua própria riqueza e guarde-o bem! Enfrente seus inimigos, vá".

Karna, depois de receber as bênçãos do patriarca, montou em sua quadriga e correu para o campo de batalha. Quando o bravo Karna entrou no campo em sua quadriga, a felicidade de Duryodhana não teve limites. Sua tristeza com a perda de Bhisma foi aliviada um pouco.

 

Capítulo 75

Drona no Comando

Duryodhana e Karna conversaram sobre quem deveria ficar no comando supremo das tropas.

"Bem, todos esses príncipes guerreiros que lutam no seu lado são grandiosos o suficiente para assumirem nossas tropas como o comandante supremo", disse Karna.

"Todos esses reis possuem igual habilidade, força, energia, experiência, coragem, bravura, linhagem e sabedoria. Eles não podem ser todos nomeados para assumir o comando, se qualquer um for escolhido, os outros ficarão sentidos e não empenharão toda sua força na causa. Assim, nós sofreremos. Portanto, meu conselho é que nomeie Dronacharya, o mestre desses príncipes e guerreiros, como o comandante supremo. Ele é com certeza o maior de todos os que carregam armas no presente. Nenhum kshatriya se iguala a ele nas qualidades necessárias para liderar o nosso exército. Vamos nomeá-lo então".

Duryodhana concordou que era o correto para se fazer, e assim ficou decidido.

Duryodhana foi até Dronacharya e, na presença de todos guerreiros e príncipes reunidos, prostrou-se e se dirigiu a ele:

"Venerável mestre, você é inigualável entre todos aqui reunidos em casta, linhagem, conhecimento das ciências, idade, sabedoria, bravura e habilidade. Eu imploro que aceite o comando supremo. Sob o seu comando, este exército será vitorioso". Os reis reunidos receberam a proposta com uma grande aclamação e gritos de guerra que deixaram o coração de Duryodhana feliz.

Drona foi nomeado com a devida formalidade no meio duma calorosa aclamação. As preces dos cortesãos e o som das trombetas que acompanhavam a cerimônia, fizeram com que os Kauravas sentissem como se já tivessem aniquilado o inimigo. De tão grande que era o entusiasmo e a confiança na liderança de Drona.

Drona organizou o exército em formação circular. Karna, que tinha ficado de lado até então, agora era visto em sua grande quadriga a andar no campo de batalha, e isto deu nova coragem aos corações dos soldados Kauravas.

Os rumores corriam no exército de que o grande Bhisma não queria matar os filhos de Pandu e por isso não empenhou todo seu entusiasmo na luta. Mas agora que Karna estava no campo, era certeza de que os Pandavas seriam destruídos.

Dronacharya ficou no comando por cinco dias de batalha. Apesar da idade avançada, ele estava em todos lugares do campo e exibiu a energia ardente dum guerreiro jovem. Sempre que ele liderava um ataque, as tropas dos Pandavas se dispersavam como nuvens antes duma tempestade.

Ele pessoalmente forçava os maiores guerreiros do lado Pandava a lutarem na batalha. Ele lutou contra Satyaki, Bhima, Arjuna, Dristadyumna, Abhimanyu, Drupada e Kasiraja, e os derrotou em várias ocasiões.

Ele incomodou e infligiu uma severa punição ao exército Pandava durante os cinco dias que ficou no comando.

 

Capítulo 76

Capturar Yudhisthira Vivo

Logo que Drona assumiu o comando das forças Kauravas, Duryodhana, Karna e Dushasana sentaram-se em conselho e decidiram um plano. Depois, Duryodhana foi até Dronacharya para pô-lo em operação.

"Acharya, nós queremos que você capture Yudhisthira vivo e nos entregue. Não queremos nada mais, nem mesmo a vitória total. Se conseguir isto para nós, ficaremos extremamente satisfeitos com sua conduta na guerra".

Quando Drona ouviu este pedido de Duryodhana, ficou muito feliz, pois ele execrava apenas o pensamento de ter que matar os irmãos Pandavas. Mesmo assim, para cumprir sua obrigação, o acharya se juntou aos Kauravas lealmente contra os Pandavas, ele amava os filhos de Kunti e especialmente Yudhisthira, que tem mentalidade pura.

Por isso, quando ouviu o pedido de Duryodhana para Yudhisthira ser capturado vivo, sentiu-se muito aliviado.

O acharya disse: "Duryodhana, seja abençoado! Você quer se abster de matar Yudhisthira? Como isto alegra meu coração! Realmente, Yudhisthira não possui inimigos e o nome Ajatashatru, que as pessoas deram ao filho mais velho de Kunti, foi justificado por sua grande decisão. Quando até mesmo você se convenceu de que ele não deve ser morto mas capturado vivo, a glória inigualável dele se tornou dez vezes mais intensa".

"Eu vejo, caro Duryodhana, qual é a sua intenção", Drona continuou. "Você deseja derrotar os Pandavas em batalha, depois dar a eles sua parte do reino, e viver em paz e amizade com eles. Vejo isto claramente no seu desejo de capturar Yudhisthira vivo".

Drona estava extremamente feliz e disse novamente: "Com certeza, Yudhisthira é a pessoa mais afortunada do mundo. Os deuses chovem suas bênçãos sobre o bom filho de Kunti. Por isso, ele conquistou até os corações dos inimigos".

Mas os motivos de Duryodhana capturar Yudhisthira vivo eram diferentes. E logo que Drona aceitou esta proposta e deu sua palavra que faria tudo para capturar Yudhisthira, ele começou a revelar suas verdadeiras intenções.

Se Yudhisthira fosse morto, não ganharia nada com isto, e a ira dos Pandavas seria extrema. A batalha continuaria com muito mais violência do que antes. E Duryodhana sabia que significaria a derrota de seu exército no fim.

Mesmo se a batalha continuasse sem piedade até que ambos exércitos fossem destruídos, Krishna ainda ficaria vivo e colocaria ou Draupadi ou Kunti como soberana legítima do reino.

Portanto, de que adiantava matar Yudhisthira? Por outro lado, se Yudhisthira fosse capturado vivo, Duryodhana achava que a guerra acabaria mais rápido e com a vitória para os Kauravas.

Assim, ele poderia manipular a bondade de Yudhisthira e sua lealdade ao código tradicional de conduta dos kshatriyas. Era certo que ele poderia ser obrigado a uma disputa de dados novamente e ser exilado na floresta mais uma vez.

Dez dias de combate demonstraram a Duryodhana que mais luta só resultaria na destruição da dinastia, não a satisfação de seus desejos.

Quando Duryodhana deixou seus motivos claros para Drona, o acharya ficou muito desapontado e amaldiçoou Duryodhana em seu coração. Mas seja lá qual fosse a intenção, ele estava feliz por Yudhisthira não ser morto.

A notícia de que Drona jurou solenemente a Duryodhana que levaria Yudhisthira preso, foi levada pelos espiões ao exército Pandava.

Os Pandavas sabiam que quando o acharya estava determinado com alguma coisa e deu sua palavra de honra para realizar, sua superioridade sem rival na arte da guerra bem como sua bravura, fazia que fosse algo muito sério.

Portanto, eles se ocuparam no problema e organizaram as forças para que Yudhisthira nunca ficasse sem proteção. Quaisquer que fossem os movimentos, eles sempre tomavam cuidado para deixar proteção suficiente contra qualquer ataque surpresa contra Yudhisthira.

No primeiro dia de batalha sob o comando de Drona, o acharya demonstrou amplamente sua grande habilidade e energia. Ele se movimentava e destruía as tropas dos Pandavas como o fogo queima troncos secos. Sua movimentação rápida fazia os Pandavas pensarem que Drona estava em todo lugar ao mesmo tempo e lançava chuvas de flechas como se fosse uma tempestade torrencial o que transformou o campo de batalha num palco para a dança do Deus da destruição (Rudra). Ele cortou o exército Pandava em dois, onde Dristadyumna estava.

Houve vários combates entre guerreiros de renome. Houve um violento combate entre Sahadeva e Shakuni cheio de golpes mágicos de encanto. Quando suas quadrigas quebraram, eles saltaram para o chão. E, como duas colinas que brotaram para a vida, golpeavam um ao outro com suas maças e se agarravam em combate corpóreo. Entre Bhima e Vivimshati houve um grande combate no qual as duas quadrigas quebraram. Shalya lutou com seu sobrinho Nakula e o provocou extremamente, com um sorriso sarcástico durante toda a luta. Mas, no fim, o carro de Shalya foi despedaçado e seu estandarte caiu no chão, e ele se retirou ao admitir a derrota. Entre Kripacharya e Dhrishtaketu houve um combate onde este levou a pior.

Também, aconteceram combates violentos entre Satyaki e Kritavarma, e entre Virata e Karna. A bravura de Abhimanyu foi exibida quando lutou sozinho contra Paurava, Kritavarma, Jayadratha e Shalya e os fez bater em retirada.

Depois, teve um grande combate entre Shalya e Bhimasena onde Shalya foi derrotado e forçado a fugir. As tropas Kauravas começaram a perder a coragem e o exército Pandava, que percebeu isto, atacou o exército Kaurava com energia renovada e destruiu suas fileiras.

Quando Drona viu isto, decidiu recuperar o moral perdido por liderar um ataque direto a Yudhisthira. Sua quadriga dourada foi em frente, puxada por quatro nobres cavalos Sindhus, na direção de Yudhisthira. Yudhisthira respondeu com flechas farpadas decoradas com penas de águia. Mas Drona não se importou, e avançou em grande velocidade. O arco de Yudhisthira foi despedaçado e Drona chegou perto.

Dristadyumna tentou interceptar Drona mas em vão. O exército inteiro gritou: "Yudhisthira foi pego"! De tão perto que Drona chegou.

Imediatamente, Arjuna apareceu no campo de batalha, com a Terra a tremer sob as rodas de sua quadriga, à medida que corria rapidamente pelo campo ensangüentado, por cima de ossos e corpos deitados aos montes. Drona retrocedeu, pois Arjuna entrou em cena. De seu arco Gandiva, atirou um fluxo constante de flechas. Ninguém conseguia ver as flechas serem tiradas da aljava ou postas em posição na corda. Parecia que, do grande arco, saía um grande jorro interminável de flechas. O campo de batalha escureceu por causa dos projéteis que voavam.

Drona recuou. Yudhisthira não foi pego. A batalha encerrou por aquele dia e as tropas Kauravas foram para seu acampamento com humor de vergonha.

O exército Pandava marchou com orgulho para seu acampamento e atrás vinham Keshava (Krishna) e Arjuna que conversavam. Assim terminou o décimo primeiro dia de batalha.

 

Capítulo 77

O Décimo Segundo Dia

A tentativa de capturar Yudhisthira vivo falhou. Drona falava com Duryodhana sobre isto: "Ficou claro que não teremos sucesso em nossas tentativas de capturar Yudhisthira enquanto Dhananjaya estiver por perto. Não é falta de interesse da minha parte. Se com alguma estratégia pudermos afastar Arjuna para outra parte do campo, poderei penetrar nas formações dos Pandavas e capturar Yudhisthira. Prometo prendê-lo e entregá-lo a você, desde que ele não fuja do combate, ao renunciar à honra. Se ele fizer isto, então nós também venceremos, não é"?

O rei de Trigarta que ouviu Drona dizer isto, combinou com seus irmãos um plano. Eles decidiram fazer o juramento samsaptaka e desafiar Arjuna para um combate, e assim afastá-lo do lado de Yudhisthira.

Dessa forma, juntos com uma grande força, reuniram-se sentados perante o fogo de sacrifício, vestidos com feixes de palha, e realizaram cerimônias de oferendas funerais para si mesmos como se já estivessem mortos, e fizeram o juramento: "Até que matemos Dhananjaya não voltaremos. Se fugirmos do combate, que sejamos punidos como se fosse um pecado mortal"!

Depois de fazer o juramento perante o fogo de sacrifício, marcharam para o sul que é a direção da Morte, e gritaram: "Ó Arjuna"! Em desafio para o combate.

Era um grande esquadrão suicida organizado para conseguir o que Drona indicou como essencial. Arjuna virou para Yudhisthira e disse: "Rei, o esquadrão samsaptaka me chama para a batalha. Tenho obrigação de aceitar um desafio assim feito. Susharma e seus homens me chamam para o combate. Vou destruir todos eles e voltar. Permita que eu vá".

Yudhisthira disse: "Meu irmão amado, você sabe a intenção de Drona. Tenha isto em mente e faça o que achar correto. Ele prometeu a Duryodhana me capturar vivo. Ele é um guerreiro sem rival, bravo, forte e hábil, em cada ramo da arte dos arqueiros. Ele não sabe o que é fatiga e nada escapa de seus olhos atentos".

Arjuna respondeu: "Rei, aqui está Satyajit, pronto para protegê-lo. Enquanto ele estiver vivo e com você, nada poderá acontecer contra você". Depois de dizer isto, Arjuna pediu ao príncipe de Panchala para manter a guarda ao lado de Yudhisthira, e partiu como um leão faminto para enfrentar os samsaptakas.

"Ali, Krishna, veja os Trigartas, alegres sob o efeito inebriante de seu juramento, apesar de saberem que terão a morte certa. Na verdade, estão exaltados pois vão se aproximar de swarga". Arjuna falou assim a seu grande cocheiro enquanto se aproximava da tropa samsaptaka.

Era o décimo segundo dia de batalha. Foi um combate terrível. Depois de algum tempo, o ataque de Arjuna fez efeito e os Trigartas caíam aos montes perante ele, mas Susharma os lembrou de seu juramento: "Heróis, vocês fizeram seu juramento perante o fogo e na presença de todo o exército de heróis. Depois de fazer tal juramento severo, é indigno desistir. Não vamos cair no ridículo público". Os samsaptakas aclamaram seu líder, e enfrentaram Arjuna com a coragem sublime dos mortos assumidos.

"Hrishikesha (Krishna), eles estão resolutos em lutarem até o fim. Dirija", disse Arjuna.

Conduzido por Madhusudana (Krishna), a quadriga de Arjuna se movia como o veículo de Indra na grande guerra dos deuses contra os asuras. Ela ia de cá para lá e por onde passava, o grande arco de Arjuna, o Gandiva, espalhava a morte entre os Trigartas condenados.

O sangue que escorria em suas fileiras compactas era como o desabrochar das flores palasa durante a primavera na floresta. A luta foi severa. Num momento, o veículo de Arjuna e seu estandarte ficaram imersos na escuridão dum aguaceiro de flechas.

"Você está vivo, Dhananjaya"? Gritou Krishna.

"Sim", respondeu Arjuna, que puxava a corda de seu Gandiva, e descarregou setas que dispersaram a chuva de flechas. Parecia a dança da dissolução de Rudra. O campo ficou cheio de membros decepados e corpos sem cabeça, que parecia um espetáculo de terror.

À medida que Arjuna enfrentava os samsaptakas, Drona deu ordem para um ataque violento contra as tropas Pandavas no ponto onde estava Yudhisthira.

Yudhisthira viu a movimentação e falou ao príncipe de Panchala, Dristadyumna:

"O brâmane vem para me capturar. Preste muita atenção nas tropas".

O filho de Drupada não esperou por Drona avançar mas marchou em frente com seu veículo para deter Drona pessoalmente. Dronacharya evitou Dristadyumna, pois sabia bem que sua morte estava destinada a ser nas mãos dele, e esta morte ainda não deveria acontecer. E virou sua quadriga para outra direção onde Drupada liderava suas tropas.

As tropas de Drupada sofreram um grande castigo nas mãos de Drona, e o sangue correu em torrentes no campo de batalha. Drona, então, voltou sua atenção novamente a Yudhisthira. Os Pandavas ficaram firmes e responderam ao ataque de Drona com várias chuvas de flechas.

Satyajit fez um ataque contra o veículo de Drona e aconteceu um terrível combate no qual a figura de Drona assumiu o terror do Destruidor (Rudra). Muitos guerreiros foram mortos por ele em seguida. Vrika, um príncipe de Panchala, bem como Satyajit, caíram mortos. Ao ver isto, Satanika, filho de Virata, marchou contra Drona. Num instante, a cabeça degolada de Satanika rolou no chão com seus brincos de ouro a brilhar em seus lóbulos.

Ketama, outro líder, continuou o ataque, mas também foi morto. Então, Vasudhana correu para deter o avanço de Drona, mas também caiu morto. Yudhamanyu, Satyaki, Shikhandi e Uttamauja que vieram afastar Drona, foram repelidos e tiveram que recuar. Drona agora estava quase no alcance de Yudhisthira.

Nesse momento, Panchalya, outro filho de Drupada, correu loucamente para deter o acharya e lutou desesperadamente. Mas ele também foi ferido mortalmente e caiu de sua quadriga como uma estrela cadente.

Então, Duryodhana ficou exuberante e disse exaltado a Karna:

"Radheya, veja a bravura de nosso poderoso líder? Os Pandavas não terão mais ímpeto para combater. Veja como seu exército cai com os golpes de Drona".

Karna balançou sua cabeça, e disse: "Não seja tão confiante. Os Pandavas não serão vencidos tão facilmente. Eles nunca irão se render. As injustiças que sofreram são muito grandes para serem esquecidas. Você tentou envenená-los e matá-los. Tentou queimá-los vivos. Você os magoou e humilhou no jogo de dados, e os forçou a viver na floresta por longos anos. Eles não se renderão. Veja lá, o exército deles foi reunido e todas as tropas fazem um ataque combinado contra Drona. Veja lá, Bhima, Satyaki, Yudhamanyu, Kshatradharma, Nakula, Uttamauja, Drupada, Virata, Shikhandi. Dhrishtaketu e outros guerreiros vieram proteger Yudhisthira e pressionam Drona duramente. Não devemos olhar sem fazer nada, depois que colocamos um fardo tão pesado sobre o acharya. Ele é grandioso, mas tem um limite para o fardo que pode carregar. Mesmo os lobos combinados em grande número podem ferir e matar um elefante poderoso. Vamos em frente. Não vamos mais deixar Drona sem apoio".

 

Capítulo 78

O Bravo Bhagadatta

Drona fez várias tentativas para levar Yudhisthira preso, mas falhou. Duryodhana conduziu um grande ataque com uma divisão de elefantes contra Bhima. Bhima se defendeu de sua quadriga com flechas certeiras.

Ele atirou setas com ponta crescente e derrubaram o estandarte de Duryodhana e despedaçaram seu arco quando ele o segurava em suas mãos. Ao ver o rei ser atacado desta forma, o rei mleccha de Anga marchou contra Bhimasena montado num enorme elefante.

Mas Bhima atirou setas que derrubaram o elefante e mataram o rei mleccha, que causou a dispersão desse setor das tropas Kauravas que fugiu de medo numa grande confusão.

Quando os elefantes estouraram, os cavalos também se apavoraram e milhares de soldados a pé foram pisoteados pelos elefantes e cavalos, que fugiam em pânico selvagem.

Quando viu esta grande confusão e a dispersão das tropas Kauravas em todas direções, o rei de Pragjyotisha, o bravo Bhagadatta, ficou muito indignado.

Ele montou em seu famoso elefante Supratika e correu para atacar Bhimasena. A fera gigantesca corria em frente com as orelhas abertas e a tromba enrolada, e colidiu com a quadriga de Bhimasena. Num instante, os cavalos e o veículo viraram uma massa irreconhecível. Mas Bhima escapou pois pulou do carro no último instante.

Ele sabia tudo sobre elefantes. Assim, entrou em baixo do grande e feroz animal e deu muitos golpes em seus pontos vitais. A grande fera enlouqueceu e girava como a roda do oleiro, para tentar se livrar de Bhimasena, que se segurava em sua perna e o golpeava por baixo.

Ele se abaixou e pegou Bhima com sua tromba e estava quase para esmagá-lo sob seus joelhos, quando Vrikodara de algum jeito conseguiu se soltar do aperto e foi para baixo dele novamente entre suas pernas, e se segurou nas partes baixas do elefante, o que causou muita dor à fera.

Bhima ganhava tempo dessa forma na esperança de que algum elefante do lado Pandava chegasse e atacasse o elefante de Bhagadatta, e assim pudesse escapar.

Mas, quando Bhima desapareceu da visão, escondido entre as pernas da fera, os soldados pensaram que Bhima estivesse morto. Eles exclamavam: "Bhima está morto! O elefante de Bhagadatta esmagou Bhimasena!" E o grito se repetiu por todo o campo de batalha em Kurukshetra.

Yudhisthira ouviu o grito e pensou que Bhima estivesse morto, assim ordenou que as tropas destruíssem Bhagadatta. O rei de Dasharha correu para atacar Bhagadatta. O elefante de Dasharha também era uma fera aterradora e aconteceu um grande combate entre Supratika e o elefante de Dasharha.

Até que a presa de Supratika perfurou o animal de Dasharha no lado e ele caiu morto no chão. Neste momento, Bhima emergiu debaixo de Supratika e correu para fora a salvo. E o exército Pandava se exaltou quando viu Bhima vivo.

Bhagadatta agora era atacado por todos os lados, mas ele não perdeu o ânimo. Magnífico sobre seu elefante, ele brilhava como o fogo selvagem em cima duma montanha. Assim, ignorou os inimigos à sua volta e conduziu sua fera contra a quadriga de Satyaki.

O elefante pegou a quadriga com sua grande tromba, levantou-a no ar e a jogou no chão de cabeça para baixo. Satyaki pulou da quadriga na hora e se salvou.

Seu cocheiro exibiu grande agilidade e habilidade e salvou o veículo bem como os cavalos, e conduziu a quadriga até onde estava Satyaki.

O elefante de Bhagadatta causou um grande estrago no exército Pandava, atirava guerreiros por todos os lados e os matava em grande número, assim causava um grande terror por onde passava. Bhagadatta permaneceu no seu dorso, assim como Indra sobre Airavata na guerra contra os asuras.

Com suas orelhas abertas em fúria e a tromba estendida na frente, a grande fera pisoteava vários cavalos, quadrigas e soldados, e assim causava uma grande destruição em todo exército Pandava. As setas lançadas contra ele pareciam só aumentar sua fúria selvagem.

Assim como um pastor que conduz seu rebanho pela floresta como bem entende, Bhagadatta conduzia os soldados do exército Pandava na sua frente. Bhima, que conseguiu uma nova quadriga, retomou seu ataque a Bhagadatta.

O elefante estendeu sua tromba e descarregou um grande jato de muco que apavorou os cavalos da quadriga de Bhima, eles fugiram às pressas aterrorizados e o cocheiro não conseguiu controlá-los.

Uma grande nuvem de poeira levantou do local onde o grande elefante atacava na batalha. Arjuna viu isto do local onde lutava contra os samsaptakas e também ouviu o tumulto criado pelo elefante de Bhagadatta.

Ele temia que acontecesse algo errado e disse a Krishna: "Madhusudana, esse é o grito de Supratika, o elefante de Bhagadatta. Esse rei de Pragjyotisha é terrível com seu elefante, ele não tem rival nesse tipo de combate. É certeza que ele derrotará e confundirá nossos homens. Temos que prosseguir imediatamente e salvar a situação. Já castigamos esses samsaptakas o suficiente. Dirija para onde Drona luta contra Yudhisthira". Krishna conduziu a quadriga conforme as ordens na direção da frente de combate principal.

Susharma e seus irmãos correram atrás da quadriga e gritavam: "Pare, pare"! Ao mesmo tempo, atiravam flechas contra a quadriga de Arjuna.

A mente de Arjuna estava dividida.

"Aqui está Susharma que me desafia para o combate, e odeio recusar este tipo de convite, mas lá, ao nosso norte, nossa formação parece desfeita e nossos homens precisam de alívio imediato".

Enquanto Arjuna ponderava assim, um arpão veio em sua direção, e outro contra Janardhana. Com muita fúria, disparou três setas certeiras, que forçaram Susharma a recuar.

Eles não perderam mais tempo e correram rapidamente para o local onde Bhagadatta causava um grande dano. Logo que o veículo de Arjuna foi visto, as tropas dos Pandavas foram reunidas e Arjuna chegou rápido nas linhas onde Bhagadatta estava.

Bhagadatta montado em Supratika atacou Arjuna assim como o Destruidor encarnado. Mas a perícia de Vasudeva evitava o choque, toda vez que a fera atacava.

Bhagadatta fez chover flechas sobre Arjuna e Krishna. Mas as flechas de Arjuna quebraram a armadura do elefante e começaram a ferir o animal. Bhagadatta viu que seu elefante não conseguia mais suportar o ataque e atirou um arpão contra Krishna.

Arjuna o interceptou com uma seta de seu arco e o quebrou em dois. Bhagadatta então atirou outro que atingiu o elmo de Dhananjaya.

Arjuna arrumou seu elmo, curvou seu arco e exclamou: "Bhagadatta, olhe pela última vez este mundo e se prepare para a morte"!

Bhagadatta era um veterano de idade avançada. Seu cabelo grisalho e as rugas em sua velha face nobre lhe davam a aparência intrépida dum leão. Na verdade, era tão velho que tinha olheiras e escondia as dobras em sua testa com um lenço de seda amarrado para que não atrapalhassem sua visão.

Bhagadatta não era famoso apenas por sua bravura mas por sua pureza de caráter e conduta, e era um dos mais ilustres homens entre os bravos da sua época. As pessoas lhe deram o título "amigo de Indra" em reconhecimento à sua grandeza.

"Olhe em volta pela última vez", disse Arjuna a esse grande homem, e atirou setas que quebraram seu arco, despedaçaram sua aljava e perfuraram as juntas de sua armadura.

Naquela época, os guerreiros usavam armaduras fortalecidas e o segredo de acertar os pontos fracos como as juntas era cuidadosamente estudado pelos kshatriyas como parte importante de seu treinamento militar.

Quando ficou sem todas suas armas, Bhagadatta atirou o aguilhão de seu elefante contra Arjuna. Ele foi disparado com precisão mortal e carregado com o mantra Vaishnava.

Ele teria matado Arjuna, mas Krishna entrou na frente e Se apresentou como alvo para o projétil. Ele atingiu Seu pescoço e ficou como um colar brilhante.

Carregado como o mantra de Vishnu, não poderia ferir o próprio Vishnu mas apenas se tornar um colar de jóias em volta de Seu pescoço.

"Janardhana, como Você Se ofereceu como alvo para o projétil do inimigo? Você disse que seria apenas o cocheiro e deixaria toda a luta para mim. Como pôde fazer isto"? Protestou Arjuna.

"Querido Arjuna, você não compreende. Este dardo teria matado você se tivesse atingido. Na verdade, é uma coisa Minha e veio de volta para Seu verdadeiro dono", disse Krishna, e sorriu. Então, Arjuna disparou uma flecha que penetrou na cabeça do elefante de Bhagadatta, assim como uma serpente entra num formigueiro.

Bhagadatta tentou tocar seu grande animal em frente, mas ele ficou totalmente rígido. E seu comando em voz alta foi em vão assim como as palavras dum homem, que perdeu sua riqueza, são desprezadas por sua esposa.

O elefante permaneceu rígido como uma grande montanha por um momento, então desabou de súbito e enterrou suas presas no solo, e liberou o espírito com um guincho de agonia. Arjuna ficou um pouco triste com a morte do nobre animal e por não ter conseguido matar Bhagadatta, sem matar a fera.

As setas de Arjuna rasgaram o lenço de seda que prendia as dobras na testa do rei idoso, e ele ficou cego de imediato por suas próprias rugas que caíram sobre seus olhos.

Logo, uma ligeira flecha de ponta crescente veio e perfurou seu peito. E Bhagadatta caiu como uma grande árvore numa tempestade, com seu colar dourado que brilhava como as flores duma árvore derrubada. As tropas Kauravas caíram numa extrema confusão.

Os irmãos de Shakuni, Vrisha e Achala deram o melhor de si para enfrentar Arjuna e o atacaram pela frente e por trás. Mas suas quadrigas foram logo despedaçadas e eles caíram mortos no chão como dois jovens leões. Os dois se pareciam muito e eram igualmente de aparência nobre. O poeta diz que os corpos desses dois valentes heróis que não fugiram como os outros, emitiam um brilho estranho por toda sua volta. Shakuni ficou extremamente irado quando viu seus bravos e incomparáveis irmãos deitados mortos no chão.

Ele atacou Arjuna ferozmente e usou todas suas armas mágicas, com as quais era muito hábil. Mas os golpes de Arjuna quebraram todos encantos e as deixou imprestáveis. E Shakuni teve que deixar o campo, o mais rápido que seus cavalos podiam.

As tropas dos Pandavas então atacaram o exército de Drona e causaram um grande dano até o pôr-do-sol, e o décimo segundo dia de batalha terminou. Drona deu as ordens para encerramento do combate e as tropas Kauravas, que tiveram grandes perdas, retornaram ao acampamento num silêncio deprimido.

O exército Pandava, por sua vez, estava com muito ânimo e seus guerreiros se reuniam em volta das fogueiras com conversas exaltadas e elogiavam Arjuna e os outros heróis, que os levaram à vitória.

 

Capítulo 79

Abhimanyu

Logo cedo na manhã seguinte, Duryodhana foi até Dronacharya muito amargurado e irado. Depois das saudações de costume, ele se dirigiu a Drona na presença dum grande número de generais:

"Prezado brâmane, Yudhisthira estava quase ao seu alcance ontem, e se você quisesse capturá-lo realmente, ele não poderia escapar. Mesmo assim, você não o pegou, e para mim, os eventos de ontem são inexplicáveis. Não consigo entender por que é tão difícil para você cumprir sua promessa comigo. Realmente, os grandes homens são incompreensíveis".

Dronacharya ficou extremamente magoado com esta insinuação ofensiva.

Ele disse: "Duryodhana, eu dedico à sua causa toda força e habilidade que tenho. Você cultiva pensamentos indignos dum rei. Enquanto Arjuna estiver presente, para proteger Yudhisthira, não é possível capturá-lo. Eu já lhe disse isto. Somente se pudermos encontrar algum meio de tirar Arjuna da batalha, teremos esperança de executar esse plano como você deseja. E penso em várias formas de alcançar esse objetivo".

Assim Drona controlou sua ira com nobreza e procurou consolar Duryodhana deprimido.

No décimo terceiro dia, os samsaptakas desafiaram Arjuna novamente para o combate que ele aceitou e continuou a atacá-los, onde estavam em formação no lado sul da frente de batalha principal. O combate travado entre os samsaptakas e Arjuna foi o mais violento que foi visto ou ouvido até aquele dia.

Quando Dhananjaya deixou a frente de batalha principal para ir ao encontro dos samsaptakas, Drona reorganizou seu exército em formação de lótus e atacou Yudhisthira ferozmente.

Bhima, Satyaki, Chekitana, Dristadyumna, Kuntibhoja, Drupada, Ghatotkacha, Yudhamanyu, Shikhandi, Uttamauja, Virata, os Kekayas, Srinjayas e muitos outros o enfrentaram. Mas sua resistência parecia paralisada pela violência do ataque de Drona.

Abhimanyu, filho de Arjuna com Subhadra, ainda era um adolescente, mas já era reconhecido como um grande combatente militar no mesmo nível de seu pai e Tio em batalha. Yudhisthira chamou Abhimanyu e disse:

"Querido filho, Dronacharya faz um grande ataque contra nosso exército. Arjuna está ausente, e se formos derrotados em sua ausência, ele ficará extremamente angustiado. Ninguém entre nós tem capacidade para romper a formação de Drona. Você sabe que pode fazê-lo e ninguém mais. Peço a você para aceitar esta tarefa".

Abhimanyu respondeu: "Posso fazer isto. Recebi instruções de meu pai sobre como penetrar nessa formação e posso fazê-lo com certeza. Mas depois de forçar minha passagem, infelizmente será necessário que eu saia, eu estarei perdido sobre como fazê-lo. Pois ainda não recebi instruções sobre a arte de escape".

"Valente rapaz, rompa essa formação impenetrável e abra passagem para nós. Todos nós penetraremos com você. Estaremos com você para enfrentar qualquer perigo e não tenha dúvida que você conseguirá sair".

Bhimasena apoiou a proposta de Yudhisthira: "Eu estarei imediatamente atrás de você e entrarei quando você conseguir romper a formação do inimigo. Também estarão Dristadyumna, Satyaki, os Panchalas, os Kekayas e as forças de Matsya. Apenas rompa a formação pois só você pode fazer. Nós faremos o resto e esmagaremos o exército Kaurava".

Abhimanyu pensou em seu pai e Krishna. Encorajado pelo que Yudhisthira e Bhimasena disseram, e impulsionado por sua própria natureza nobre, aceitou a aventura.

Ele disse com entusiasmo: "Vou satisfazer meu grande pai e Tio. Que minha coragem se apóie nisto".

"Que sua coragem aumente", disse Yudhisthira e abençoou o jovem.

"Sumitra, veja a bandeira de Drona a esvoaçar ali! Dirija direto e rápido para esse ponto", disse Abhimanyu a seu cocheiro.

"Mais rápido, mais rápido", ordenou Abhimanyu à medida que corriam.

"Que os deuses o protejam"! Disse o cocheiro. "Yudhisthira colocou uma grande responsabilidade sobre seus ombros jovens. Pense bem antes de penetrar na formação de Drona e entrar. O acharya tem habilidade e experiência sem rivais, enquanto você, apesar de igual bravura, não tem seus longos anos para apoiá-lo".

Abhimanyu sorriu e disse: "Amigo, sou sobrinho de Krishna e filho de Arjuna, não sou? Qual dos dois tem esta vantagem? O medo não ousa se aproximar de mim! Esses inimigos aqui não têm nem a décima sexta parte do meu poder. Dirija rápido para a divisão de Drona. Não hesite".

O cocheiro obedeceu.

Logo que a quadriga dourada puxada por belos cavalos jovens se aproximou, os soldados do exército Kaurava gritaram: "Abhimanyu vem aí! Ele se aproxima"! Os Pandavas seguiam Abhimanyu bem de perto.

Os guerreiros Kauravas ficaram perturbados quando viram a quadriga de Abhimanyu se aproximar deles em alta velocidade.

"Aí vem aquele que tem mais bravura do que Arjuna", eles pensavam e começaram a perder o ânimo.

Assim como um jovem leão no meio duma manada de elefantes, Abhimanyu corria. Houve uma grande agitação nas fileiras Kauravas que se inclinaram sob seu furioso ataque direto.

A inclinação logo se tornou uma brecha e sob os olhos do próprio Drona, a formação foi rompida e Abhimanyu entrou. Mas a brecha se fechou atrás dele pela inspiração de Jayadratha, rei dos Sindhus, antes que os outros Pandavas pudessem forçar sua passagem conforme o plano original, e Abhimanyu ficou sozinho!

Os guerreiros Kauravas o enfrentaram, mas caíam como mariposas no fogo, um depois do outro. As setas de Abhimanyu acertavam os pontos fracos nas armaduras de seus inimigos. E os corpos dos soldados ficavam espalhados no chão assim como a grama kusha na plataforma de sacrifício.

Arcos, flechas, espadas, escudos, arpões, pedaços de destroços, coberturas de quadrigas, machados, maças, lanças, chicotes, búzios, junto com cabeças e membros decepados dos guerreiros mortos cobriam o chão.

Ao ver a destruição causada por Abhimanyu, Duryodhana ficou furioso e correu pessoalmente para enfrentar o jovem guerreiro. Drona, ao perceber que o próprio rei se empenhava em combate contra Abhimanyu, ficou ansioso e mandou veteranos protegerem Duryodhana.

Com muita dificuldade, eles conseguiram resgatar o rei do violento combate contra o rapaz herói que ficou muito desapontado com a fuga de Duryodhana, e descarregou sua ira nos guerreiros que foram resgatá-lo, e os pôs para correr com pressa.

Então, um grande número de guerreiros veteranos, que abandou todo senso de vergonha e cavalheirismo, fez um ataque combinado e simultâneo contra o jovem herói, que se encontrava sozinho, rodeado de inimigos por todos os lados. Mas, como uma rocha que recebe toda a maré do oceano em todos seus lados, o filho de Arjuna resistiu ao ataque unido.

Drona, Asvatthama, Kripa, Karna, Shakuni, Shalya e muitos outros, equipados com todas as armas, partiram para o ataque contra o jovem herói, mas somente para serem jogados para trás, frustrados e quebrados.

Asmaka dirigiu sua quadriga em alta velocidade contra a de Abhimanyu. Mas, com um sorriso, Abhimanyu disparou suas setas e se livrou dele rapidamente. A armadura de Karna foi perfurada.

Shalya ficou gravemente ferido e se sentou, incapaz de se mover, em sua quadriga. O irmão de Shalya veio com grande fúria para vingar a desgraça de seu irmão mas caiu e sua quadriga foi quebrada em pedaços.

Assim Abhimanyu, sozinho e sem ajuda, enfrentou uma legião de guerreiros veteranos, e exibiu a habilidade no manejo das armas como aprendeu de seu ilustre pai e de Vasudeva, seu Tio. O poeta diz, ao ver isto, os olhos de Dronacharya se encheram de lágrimas de admiração afetuosa.

"Será que houve algum combatente igual a esse rapaz Abhimanyu"? Exclamou Drona para Kripa, o que Duryodhana ouviu e não conseguiu conter sua ira.

"A parcialidade do acharya por Arjuna o impede de matar Abhimanyu", disse Duryodhana, "e ele canta seus elogios em vez de lutar contra ele. Na verdade, se o acharya estivesse concentrado em matar Abhimanyu, não levaria muito tempo para fazer isto"!

Duryodhana sempre suspeitava e reclamava assim contra Bhisma e Drona. Ao empreender uma guerra de adharma, ele sempre era inclinado a falar dessa forma e feria os sentimentos dos acharyas que permaneceram lealmente do seu lado, mesmo quando viam a maldade de sua conduta.

Dushasana rugiu de fúria e exclamou: "Esse rapaz obstinado vai morrer agora"! E conduziu sua quadriga em frente para atacar Abhimanyu. As quadrigas de Abhimanyu e Dushasana faziam movimentos maravilhosos uma contra a outra e o combate continuou por um longo tempo.

Dushasana foi ferido e ficou inconsciente em seu carro, e seu cocheiro conseguiu conduzir a quadriga e fugir do campo para salvar a vida de Dushasana. Karna atacou Abhimanyu com seus dardos e o incomodou muito.

Mas uma das flechas de Abhimanyu derrubou o arco de Karna e o jovem guerreiro aproveitou esta vantagem com tanto vigor que fez Karna e seus protetores baterem em retirada. Quando as tropas Kauravas viram isto, ficaram totalmente desmoralizadas.

O exército ficou confuso e os homens fugiam em todas as direções, sem se importar com os gritos de protesto de Drona. E Abhimanyu destruiu todos os que ficaram, assim como o fogo destrói uma floresta seca no verão.

 

Capítulo 80

A Morte de Abhimanyu

Os Pandavas procederam conforme o plano e seguiram Abhimanyu quando ele rompeu a formação Kaurava. Mas o genro de Dhritarastra, Jayadratha, o valente rei dos Sindhus, arremeteu contra os Pandavas com todas suas tropas e fez com que a brecha na formação fosse fechada e solidificada efetivamente, assim impossibilitou a passagem dos Pandavas para dentro.

Yudhisthira arremessou um arpão e cortou o arco de Jayadratha. Mas no mesmo instante, ele pegou outro arco e disparou flechas certeiras contra Dharmaputra.

As flechas de Bhimasena fizeram um grande estrago ao despedaçarem a cobertura e o estandarte do veículo de Jayadratha. Mas o Saindhava (Jayadratha), estava alerta e se rearmava, toda vez que seu equipamento era quebrado. Ele matou os cavalos da quadriga de Bhima, que teve de subir no carro de Satyaki.

Assim, Jayadratha, com sua bravura obstinada, impediu que os Pandavas entrassem no rastro de Abhimanyu. Assim, o jovem herói ficou isolado e rodeado pelas forças Kauravas.

Entretanto, o filho de Subhadra permaneceu intrépido. Ele atacava todos os heróis à sua volta e os matou em grande número. Assim como os rios desaparecem quando deságuam no oceano, os soldados que vinham atacá-lo, desapareciam perante suas flechas. O exército Kaurava cambaleou sob o forte ataque de Abhimanyu.

O filho de Duryodhana, Lakshmana, um jovem guerreiro valente, então atacou Abhimanyu. Quando viram isto, os soldados que recuavam, voltaram para proteger Lakshmana, e lançavam chuvas de flechas sobre Abhimanyu, que caíam como a chuva sobre uma montanha.

Mesmo assim, o filho de Arjuna estava intrépido e sua flecha foi rápida e brilhante, como uma serpente de pele nova, e perfurou Lakshmana. O belo jovem, com belos nariz, sobrancelhas e cabelo, caiu morto no chão e os soldados Kauravas ficaram muito angustiados.

"Para o inferno, esse malvado Abhimanyu", gritou Duryodhana, e os seis grandes guerreiros, Drona, Kripacharya, Karna, Asvatthama, Brihatbala e Kritavarma partiram para cima de Abhimanyu.

"É impossível perfurar a armadura desse jovem", disse Drona a Karna. "Mire nas rédeas de seus cavalos e corte-as. Assim incapaz, ataque-o por trás".

O filho de Surya fez dessa forma. O arco de Abhimanyu foi quebrado por uma descarga de setas por trás. Seus cavalos e cocheiro foram mortos. Assim incapacitado, o jovem rapaz ficou em pé no chão, com espada e escudo em punho, e enfrentou seus inimigos.

Ele ficou em pé firme assim como o dharma kshatriya encarnado, e deixou os guerreiros à sua volta cheios de admiração. Ele girava sua espada e enfrentava os numerosos guerreiros à sua volta, com uma habilidade que os deixava confusos.

Parecia que seus pés não tocavam o chão e que ele tinha asas, e voava. Drona disparou uma flecha que quebrou a espada de Abhimanyu. As flechas afiadas de Karna quebraram seu escudo em pedaços.

Então Abhimanyu se abaixou, pegou uma das rodas de sua quadriga, girou-a como um disco, levantou e enfrentou todos os inimigos que o rodeavam.

A poeira da roda da quadriga o cobriu, e o poeta diz que incrementou a beleza natural do jovem herói ainda mais. Ele lutou bravamente como um segundo Vishnu com Seu disco.

Mas logo, o terrível ataque combinado dos guerreiros que o cercavam, conseguiu superá-lo. A roda da quadriga foi feita em pedaços. O filho de Dushasana veio e se agarrou a ele num combate mortal.

Os dois caíram no chão juntos, mas o filho de Dushasana se levantou, enquanto Abhimanyu tentava ficar em pé, e o golpeou com sua maça e o matou.

"O filho de Subhadra, como um elefante numa lagoa de lírios, sozinho causou um grande estrago no exército Kaurava, superado por inúmeros guerreiros foi morto cruelmente e covardemente", disse Sanjaya a Dhritarastra.

"E, depois de matá-lo, seu povo dançou em volta de seu corpo morto como caçadores selvagens exaltados com sua presa. Todos os homens de bem do exército ficaram chocados e lágrimas rolaram de seus olhos. Até mesmo os pássaros de rapina, que rodeavam por cima, emitiram sons que pareciam choro: 'Assim não! Assim não'"!

Enquanto houve um soar de búzios e gritos de vitória por todo exército Kaurava, Yuyutsu, filho de Dhritarastra, não aprovou. Ele gritou irado: "Isto foi vergonhoso"!

"Soldados, vocês esqueceram seu código. Na verdade, vocês deviam estar envergonhados, mas em vez disso, gritam com descaramento em sinal de vitória. Cometeram um ato altamente vil e covarde, e exibem uma alegria tola, cegos sobre o perigo iminente".

Ao dizer isso, Yuyutsu jogou suas armas fora com muito desgosto e deixou o campo de batalha. Esse jovem filho de Dhritarastra temia o pecado. Suas palavras não foram agradáveis para os ouvidos Kauravas, mas ele era um bom homem e expressou sua mentalidade.

 

Capítulo 81

A Tristeza do Pai

Yudhisthira afundou na tristeza: "Ele foi para o sono que não tem despertar, ele que em combate venceu Drona, Asvatthama e Duryodhana, e que era como um fogo destruidor para as tropas inimigas. Ó guerreiro que fez Dushasana correr de medo, você está morto? O que me resta então para lutar ou vencer? Por que queremos um reino agora? Que palavras de consolo posso oferecer a Arjuna? E o que direi a Subhadra, a gemer como uma vaca em luto por seu bezerro? Como poderei pronunciar para eles palavras de consolo em vão que não adiantam nada? Realmente, a ambição destrói a compreensão da pessoa. Como um tolo, que procura mel, cai num precipício e morre, no meu desejo por vitória, empurrei esse rapaz para a frente de batalha, que tinha uma vida inteira pela frente com amor e alegria. Não existe nenhum tolo como eu no mundo. Eu matei o filho amado de Arjuna, em vez de protegê-lo durante a ausência de seu pai".

Assim Yudhisthira lamentava em silêncio. A seu lado, estavam os guerreiros sentados, silenciosos com a lembrança triste da bravura do jovem herói e sua morte cruel. Era costume Vyasa vir para consolar os Pandavas, sempre que estavam em grande angústia.

Ele era o grande preceptor deles, bem como seu patriarca. Assim, ele apareceu nesse momento perante Yudhisthira. O sábio foi recebido com todas as honras e Yudhisthira, depois de convidá-lo para sentar, disse: "Tentei muito achar a paz mental, mas fui incapaz de encontrá-la".

Vyasa disse: "Você é sábio e experiente, e não é próprio que você permita se perder em angústia desse jeito. Você sabe a natureza da morte portanto não é certo que se lamente como um ignorante".

Vyasa continuou a consolar o desolado Dharmaputra: "Quando Brahma criou os seres vivos, ficou muito ansioso. Esses seres vão se multiplicar e logo seu número estará além da capacidade que a Terra pode suportar. Parece que não tem jeito de resolver isso. Esse pensamento de Brahma se transformou numa chama que crescia cada vez mais até que ameaçou destruir toda criação duma vez. Então Rudra veio e implorou para ele diminuir esse fogo destrutivo. Brahma controlou o grande fogo e o submeteu à lei que é conhecida pelos mortais como Morte. Essa lei do criador assume várias formas, tais como guerra ou doença ou acidente e mantém o equilíbrio entre nascimento e morte. A morte é portanto uma lei inevitável da existência, ordenado para o bem do mundo. Não é verdadeira sabedoria ficar impaciente por causa da Morte ou se desesperar sem moderação por aqueles que morrem. Não há motivo para ter pena daqueles que falecem. Na verdade, temos motivo para ficar tristes com aqueles que permanecem". Depois de dizer essas palavras de alívio, Krishna-Dwaipayana (Vyasa) se retirou.

Dhananjaya e Krishna voltavam para o acampamento depois de derrotarem e matarem os samsaptakas.

Arjuna disse: "Govinda, não sei o motivo, mas minha mente não está tranqüila. Minha boca parece que está seca e meu coração está aflito com um pressentimento de perda. Imagino se alguma calamidade aconteceu com Yudhisthira. Algo me deixa temeroso, Krishna".

Krishna respondeu: "Não se preocupe com Yudhisthira. Ele e seus outros irmãos estão a salvo". No caminho, eles pararam e fizeram as preces vespertinas. Montaram na quadriga e procederam para o acampamento. À medida que se aproximavam do acampamento, as premonições de Arjuna aumentaram.

"Janardhana, não ouço a música auspiciosa de costume no acampamento. Os soldados, ao me verem à distância, abaixam suas cabeças e evitam me olhar. É um comportamento muito estranho da parte deles. Ó Madhava, estou com muito medo. Você acha que meus irmãos estão a salvo? Estou confuso. Por que Abhimanyu não correu para nos receber como de costume, na companhia de seus irmãos"?

Eles entraram no acampamento.

"Por que todos estão com a cara triste? Não vejo Abhimanyu aqui. Como é que não vejo nenhuma face alegre? Percebo que Drona organizou seu exército em formação de lótus. Nenhum de vocês podia penetrá-la como sei. Será que Abhimanyu forçou seu caminho para dentro? Se fez isso, está morto, pois não ensinei a ele como escapar dessa formação. Ele foi morto mesmo"?

Quando o silêncio pesaroso, e os olhos abaixados, que não ousavam encará-lo, confirmaram seu maior temor, o pai desolado desabou em profunda lamentação.

"Ai de mim, meu querido menino se tornou convidado de Yama? Yudhisthira, Bhimasena, Dristadyumna e o grande Satyaki todos vocês permitiram que o filho de Subhadra fosse morto pelo inimigo? Ai de mim! Que consolo darei a Subhadra? O que direi a Draupadi? E qual consolo poderei dar a Uttará, e quem vai fazer isso"?

Vasudeva falou a Seu amigo desolado. Ele disse: "Querido Arjuna, não dê espaço para a tristeza desse jeito. Nascidos como kshatriyas temos que viver e morrer pelas armas. A morte é a companheira constante de quem aceitou a profissão das armas e vai para a batalha, determinado a não retroceder. Guerreiros têm que estar sempre prontos para morrerem jovens. Abhimanyu, jovem como era, alcançou as regiões superiores de felicidade onde os veteranos de cabelos grisalhos anseiam por obter em batalha. O fim de Abhimanyu é na verdade o prescrito e o maior objetivo desejado pelos kshatriyas. Se você der espaço para a tristeza dessa forma irregular, seus irmãos e os outros reis perderão o ânimo. Pare de lamentar e dê coragem e firmeza para os corações dos outros".

Dhananjaya desejou saber toda a história do fim de seu bravo filho, e Yudhisthira a relatou: "Eu encorajei Abhimanyu a entrar na formação inimiga. Pois sabia que só ele era capaz disso entre nós todos. 'Abra o caminho na formação de lótus e seguiremos imediatamente atrás de você. Esse seu grande feito alegrará os corações de seu pai e seu Tio', disse eu. O jovem herói fez assim, rompeu a grande formação e abriu sua passagem. Fomos atrás dele conforme o plano. Mas, nesse instante, o malvado Jayadratha veio e nos impediu com eficiência. Ele fez com que a brecha na formação fosse fechada e de imediato ficamos incapazes de seguir Abhimanyu. Os Sindhus nos mantiveram fora, e depois, que vergonha para os kshatriyas que puderam fazer isso! Uma multidão de guerreiros terríveis o cercou, e assim isolado, eles o mataram".

Depois que ouviu a história toda, Arjuna ficou novamente tomado pela angústia e caiu no chão desmaiado.

Quando se recobrou, ele fez um juramento: "Antes do pôr-do-sol amanhã, eu matarei esse Jayadratha que causou a morte de meu filho. Se Drona e Kripa estiverem no meu caminho, esses acharyas também serão derrotados e mortos".

Ao dizer isso, ele zuniu a corda do Gandiva, Krishna soou sua Panchajanya. E Bhima disse:

"Esse zunido do arco de Arjuna e o soar do búzio de Krishna serão para os filhos de Dhritarastra, a intimação para a Morte"!

 

Capítulo 82

O Rei de Sindhu

A notícia do juramento de Arjuna chegou até o inimigo. Os espiões informaram aos amigos de Duryodhana que Arjuna, quando soube que Jayadratha foi a causa da morte de Abhimanyu, jurou matar o rei de Sindhu antes do pôr-do-sol do dia seguinte.

Vridhakshatra, o ilustre rei dos Sindhus, foi abençoado com um filho, que se chamou Jayadratha. Na hora do nascimento do príncipe, uma voz disse: "Esse príncipe terá muita glória e alcançará as regiões superiores de felicidade, morto em batalha. Aquele que, entre os guerreiros de todas idades, no campo de batalha, decapitar sua cabeça, estará entre os mais ilustres".

Todos seres vivos têm que morrer, mas ninguém, seja sábio ou bravo, aceita isso de bom grado. Vridhakshatra ficou angustiado ao ouvir a voz declarar o fim de seu filho.

Em seu estado mental perturbado, ele fez uma maldição: "Aquele, que fizer a cabeça do meu filho rolar no chão, terá sua cabeça estourada em pedaços no mesmo instante".

Jayadratha cresceu, e quando estava adulto, Vridhakshatra passou o governo do estado ao príncipe. Ele se retirou para a floresta onde passou seus últimos dias na prática de austeridades num ashrama perto da planície, que mais tarde se tornou o campo de batalha em Kurukshetra.

Quando Jayadratha soube do juramento de Arjuna, lembrou da predição sobre sua morte e ficou com medo de que seu fim estava perto.

"Não quero ficar mais nesta batalha. Deixe-me voltar para meu país", disse ele a Duryodhana.

Duryodhana respondeu: "Não tema, Saindhava. Aqui estão todos esses veteranos e guerreiros que ficarão entre você e o perigo. Karna, Chitrasena, Vivimshati, Bhurishrava, Shalya, Vrishasena, Purumitra, Jaya, Bhoja, Kamboja, Sudakshina, Satyavrata, Vikarna, Durmukha, Dushasana, Subahu, Kalinga, os príncipes de Avanti, Drona, o ilustre filho de Drona e Shakuni, todos esses guerreiros e eu mesmo estamos aqui e você não correrá perigo. Todo o meu exército terá apenas uma tarefa hoje, defender você contra Arjuna. Você não deve nos deixar agora". Jayadratha concordou em ficar. Ele foi até Drona e disse:

"Mestre, você ensinou para mim e Arjuna, e conhece os dois muito bem. Qual é a sua avaliação sobre nós dois"?

"Filho, cumpri minha obrigação como professor e tratei vocês dois com imparcialidade. A instrução foi a mesma para você e Arjuna, mas Arjuna se destaca por causa de sua disciplina superior e da sua experiência pessoal. Mas, você não deve se desencorajar por causa disso. Você estará atrás duma força que Arjuna não poderá penetrar com facilidade. Lute conforme a tradição de nossos ancestrais. A morte vem para todos, seja covarde ou bravo. E o guerreiro que morre em batalha alcança com facilidade as regiões superiores de felicidade que outros só alcançam com muita dificuldade. Descarte o medo e lute".

Depois que falou assim para Jayadratha, Drona procedeu para ordenar as tropas para o dia seguinte. Jayadratha e seu destacamento foram posicionados a vinte quilômetros atrás do exército principal, numa posição altamente protegida.

Bhurishrava, Karna, Asvatthama, Shalya, Vrishasena e Kripa estavam lá com todas suas tropas. Entre eles e o exército Pandava, Dronacharya organizou as tropas Kauravas principais em formação circular.

O exército de Durmarshana foi derrotado. Como as nuvens arrastadas por uma ventania, as tropas Kauravas foram dispersas e fugiram em todas direções. Quando Dushasana viu isso, sua ira aumentou.

Na liderança duma grande tropa de elefantes, ele cercou Arjuna. Dushasana era um homem muito mau, mas também era bravo. Ele combateu Arjuna violentamente e o campo ficou cheio de mortos espalhados. Finalmente, ele se retirou derrotado e se juntou às tropas de Drona.

O veículo de Savyasachin (Arjuna) avançou rapidamente e passou por Drona. "Ó ilustre, com muito pesar por meu filho, vim para realizar a vingança contra o rei de Sindhu. Eu suplico por suas bênçãos para cumprir meu juramento", disse Arjuna para o acharya.

O acharya sorriu e disse: "Arjuna, você tem que lutar e me derrotar primeiro antes que possa alcançar Jayadratha". Ao dizer isso, Drona disparou uma chuva de flechas contra o veículo de Arjuna. Partha também respondeu com suas flechas as quais o acharya interceptou com facilidade, e disparou flechas ardentes que atingiram Krishna e Arjuna.

O Pandava então decidiu quebrar o arco de Drona e curvou seu Gandiva com esse propósito. Mas quando puxava a corda do arco, veio uma flecha de Drona que cortou a corda.

O acharya, ainda com o sorriso na face, atirou uma chuva de flechas contra Arjuna, seus cavalos e a quadriga. Arjuna contra-atacou, mas o acharya disparou suas flechas que cobriram Arjuna e sua quadriga, tanto que ficaram na escuridão.

Krishna viu que as coisas não iam bem, e disse: "Partha, não vamos perder mais tempo. Vamos em frente. Não adianta lutar contra esse brâmane, que parece não conhecer fadiga". Ao dizer isso, Krishna conduziu a quadriga de Arjuna para a esquerda do acharya e continuou em frente.

"Pare, com certeza, você não continuará em frente sem derrotar seu inimigo", disse Drona.

"Você é meu guru, não meu inimigo, ó acharya. Estou na posição de ser seu filho. Não existe ninguém no mundo inteiro que possa derrotá-lo", disse Arjuna que prosseguiu adiante em alta velocidade, e ultrapassaram Drona.

Então Arjuna penetrou no exército Bhoja. Kritavarma e Sudakshina que defenderam sua passagem foram derrotados. Shrutayudha também tentou impedir o avanço de Arjuna. Houve um grande combate no qual Shrutayudha perdeu seus cavalos, e então arremessou sua maça contra Krishna.

Sua mãe obteve essa maça como resultado duma oferenda mas a condição atada à bênção fez efeito, e ela voltou e atingiu o próprio Shrutayudha que caiu morto. A história da maça é a seguinte.

Parnasa fez penitências para satisfazer Varuna e obteve dele uma bênção de que seu filho Shrutayudha não fosse morto por nenhum inimigo.

"Eu darei a seu filho uma arma divina. Ele pode usá-la em todas suas batalhas. Nenhum inimigo será capaz de derrotá-lo ou matá-lo. Mas ele não pode usar a arma contra alguém que não lute. Se fizer isso, a arma voltará e o matará". Depois de dizer isso, o deus Varuna deu a maça. Shrutayudha, quando combateu Arjuna, desprezou a regra, arremessou a maça contra Krishna que não lutava mas apenas conduzia a quadriga de Arjuna.

O projétil atingiu o peito de Janardhana e imediatamente ricochetou violentamente para trás e atingiu Shrutayudha. E como um demônio que se volta fatalmente contra o feiticeiro, que comete um erro ao pronunciar o encanto de poder que o mantém cativo, assim matou Shrutayudha e o derrubou morto no chão, como uma grande árvore da floresta derrubada por uma tempestade.

Então o rei de Kamboja liderou suas tropas contra Arjuna. Depois dum violento combate, ele caiu estirado morto no chão assim como um mastro de bandeira depois que o festival acaba.

Quando viram os poderosos guerreiros, Shrutayudha e o rei de Kamboja, mortos, a tropa Kaurava caiu numa grande confusão.

Shrutayu e seu irmão Ashrutayu então atacaram Partha pelos dois lados na tentativa de salvar a situação, e o abalaram muito. Num estágio desse combate, Arjuna se apoiou no mastro do estandarte, atordoado com os ferimentos que sofreu.

Mas Krishna falou com ele para encorajá-lo, e Arjuna se recobrou e retomou o combate, assim matou os dois irmãos bem como seus dois filhos que continuaram a lutar. Arjuna marchou adiante, matou muitos outros guerreiros e abriu seu caminho com sucesso em direção a Jayadratha.

 

Capítulo 83

Armadura Emprestada

Quando Dhritarastra ouviu Sanjaya relatar o sucesso de Arjuna, exclamou: "Ó Sanjaya! Quando Janardhana veio a Hastinapura na tentativa dum acordo, eu disse a Duryodhana que era uma grande oportunidade e que ele não deveria perdê-la. Eu disse a ele para fazer as pazes com seus primos: 'Keshava veio até nós para nos fazer um grande bem. Não despreze Seu conselho', disse eu. Mas Duryodhana não aceitou. O que Karna e Dushasana lhe disseram pareceu ser um conselho melhor do que o meu. O Destruidor entrou em sua mente e ele procurou sua própria ruína. Drona censurava a guerra, o mesmo com Bhisma, Bhurishrava, Kripacharya e outros. Mas meu filho obstinado não ouviu. Impulsionado por uma ambição fora do comum, ele se perdeu em ira e ódio, e convidou esta guerra ruinosa".

Sanjaya disse a Dhritarastra que se lamentava dessa forma: "De que adianta se arrepender agora? A água que dá vida escorreu toda para o desperdício e agora você quer parar o vazamento. Por que você não impediu o filho de Kunti de jogar? Se você tivesse feito a coisa certa, todo este sofrimento seria impedido na fonte. Mesmo depois, se tivesse sido firme e impedido seu filho em suas atitudes perversas, esta calamidade teria sido evitada. Você viu o mal e ainda assim, contra sua própria razão justa, seguiu o estúpido conselho de Karna e Shakuni. Keshava, Yudhisthira e Drona não o respeitam como antes. Vasudeva sabe agora que sua decência é só hipocrisia. Os Kauravas agora dão o seu máximo como guerreiros, mas são inferiores para enfrentar o poder de Arjuna, Krishna, Satyaki e Bhima. Duryodhana não se poupou. Ele empenhou sua força extrema. Não é certo que agora você o acuse ou seus soldados dedicados".

"Caro Sanjaya, admito minha negligência com o dever. O que você disse é certo. Ninguém pode mudar o curso do destino. Conte-me tudo que acontece, Conte-me tudo, mesmo que seja tão desagradável", disse o velho rei afundado em tristeza. E obediente ao pedido do rei, Sanjaya continuou sua narração.

Duryodhana ficou muito perturbado quando viu a quadriga de Arjuna avançar em triunfo para a posição do rei de Sindhu. Ele correu até Drona e reclamou amargurado:

"Arjuna conseguiu romper a formação do grande exército e avança para a posição de Jayadratha. Ao ver nossa derrota, os guerreiros, que protegem o rei de Sindhu, vão perder o ânimo com certeza. Eles acreditaram que seria impossível Arjuna passar por você, o que agora foi desmentido. Ele avançou perante seus olhos e nada fez para impedir. Parece que você está inclinado a defender os Pandavas realmente. Estou muito angustiado com isso. Senhor, diga-me, em qual ocasião eu o ofendi? Por que você me abandona desse jeito? Se eu soubesse que você faria isso, não pediria para Jayadratha ficar aqui. Foi um grande erro que cometi em não deixá-lo ir, como ele queria, de volta para seu país. Se Arjuna atacá-lo, não será possível que ele escape da morte. Perdoe-me. Falo com estupidez, distraído pelo pesar. Vá você pessoalmente e salve o Saindhava".

Drona respondeu a esse apelo frenético: "Rei, não vou me ofender com seus comentários imprudentes e indignos. Você é como um filho para mim. O próprio Asvatthama não é mais querido por mim! Faça o que lhe digo. Pegue esta armadura, vista-a, vá e impeça Arjuna. Eu não farei isso pois minha presença nesta parte do campo é necessária. Veja lá, as nuvens de flechas! O exército Pandava nos ataca com uma grande força. Yudhisthira está aqui sem a proteção de Arjuna, e não é essa a oportunidade que queríamos? Nosso plano se realiza e agora vou levar Yudhisthira preso e entregá-lo a você. Não posso abandonar esse objetivo e correr atrás de Phalguna (Arjuna) agora. Se eu for atrás de Arjuna agora, nossa formação de batalha será rompida sem esperança e vamos perder. Deixe-me pôr esta armadura em você. Vá com confiança. Não tenha medo. Você tem coragem, habilidade e experiência. Esta armadura irá protegê-lo contra todas as armas. Não deixará nenhum golpe penetrar seu corpo. Vá avante para o combate, Duryodhana, com confiança, como fez Indra, vestido com a armadura que ganhou de Brahma. Que a vitória seja sua". A confiança de Duryodhana foi restaurada, e como o acharya mandou, ele foi, vestido com a armadura mágica e acompanhado por uma grande força de soldados, para atacar Arjuna.

Arjuna atravessou o exército Kaurava e ia adiante em direção ao local onde Jayadratha estava guardado em segurança. Ao ver que os cavalos estavam fatigados, Krishna parou a quadriga e ia desatrelar os cavalos cansados, quando os irmãos Vinda e Anuvinda chegaram de súbito e começaram a atacar Arjuna.

Eles foram derrotados, Arjuna dispersou suas tropas e matou os dois. Depois disso, Krishna desatrelou a quadriga e deixou os cavalos rolarem na lama. Os cavalos descansaram um pouco e se refrescaram. Então, procederam novamente conforme o plano.

"Dhananjaya, olhe para trás! Aí vem o imbecil Duryodhana. Que boa sorte! Você superou sua raiva faz tempo, e agora é a hora de se deixar levar. Aí está o homem que causou todo este tormento, que vem se entregar às suas mãos. Mas lembre que ele é um grande arqueiro, bem versado na arte do arco e flecha, e é também um forte e mordaz lutador com membros poderosos". Assim falou Krishna, e eles pararam para combater o Kaurava.

Duryodhana se aproximou sem medo.

"Dizem, Arjuna, que você realizou atos de heroísmo. Eu nunca vi isso. Deixe-me ver se sua coragem e habilidade são tão grandes quanto sua reputação", disse Duryodhana a Arjuna quando começaram a combater.

O combate foi violento mesmo, e Krishna ficou surpreso.

Krishna disse: "Partha, estou surpreso. Suas flechas parecem que não ferem Duryodhana? É a primeira vez que vejo as flechas disparadas do seu arco Gandiva que atingem seus alvos sem efeito. É muito estranho. Será que seus braços perderam a força? Ou o arco Gandiva perdeu sua qualidade? Por que suas flechas atingem Duryodhana e caem no chão sem perfurá-lo? É um grande mistério".

Arjuna sorriu e respondeu: "Eu sei. Esse homem veio vestido com a armadura encantada de Drona. O acharya me ensinou o segredo dessa armadura, mas esse homem a veste assim como um boi faria. Você verá algo engraçado agora"!

Ao dizer isso, Arjuna continuou a disparar suas flechas, primeiro deixou Duryodhana sem seus cavalos, cocheiro e quadriga. Depois, Arjuna quebrou seu arco e o desarmou completamente. Em seguida, disparou dardos com ponta de agulha que perfuraram as partes do corpo de Duryodhana que não estavam cobertas pela armadura, até que não pôde agüentar mais e correu em fuga.

Quando Duryodhana foi derrotado assim, Krishna soou seu búzio o que fez o exército de Jayadratha tremer de medo. Os guerreiros em volta do rei de Sindhu ficaram surpresos. Eles se prepararam em suas quadrigas imediatamente, e Bhurishrava, Chala, Karna, Vrishasena, Kripa, Shalya, Asvatthama e Jayadratha, oito deles, organizaram suas tropas contra Arjuna.

 

Capítulo 84

Os Pressentimentos de Yudhisthira

Quando os Pandavas viram Duryodhana avançar em direção a Arjuna, atacaram o exército Kaurava para deter Drona e impedir que ele fosse salvar Jayadratha.

Portanto, Dristadyumna conduziu suas forças várias vezes contra Drona. Como resultado, o exército Kaurava teve que lutar em três frentes, e ficou muito enfraquecido.

Dristadyumna conduziu sua quadriga contra Drona e o atacou violentamente. Os cavalos alazões de Drona e os cavalos brancos do Panchala se enredaram e formaram uma cena pitoresca parecida com as nuvens no pôr-do-sol.

Dristadyumna jogou seu arco de lado e com a espada e escudo em punho, saltou na quadriga de Drona. Agora em pé na haste do veículo, hora sobre os cavalos e hora sobre o arreio, ele atacava Drona de forma desnorteante, e o tempo todo parecia que o queimava com seus olhos ardentes avermelhados.

O combate continuou por um longo tempo. Drona puxou seu arco com muita fúria e disparou um dardo, que teria tirado a vida do Panchala se não fosse pela intervenção de Satyaki que atirou uma flecha que desviou o dardo do acharya.

Drona então se virou e atacou Satyaki, assim os guerreiros Panchalas puderam pegar Dristadyumna. Drona silvava como uma naja negra, com seus olhos vermelhos de raiva, e avançou contra Satyaki que estava entre os guerreiros da linha de frente no lado Pandava, e, quando viu que Drona queria briga, foi adiante para aceitar o desafio.

"Esse é o homem que abandonou sua vocação de brâmane e aceitou a profissão da luta, e agora causa um grande tormento aos Pandavas", disse Satyaki a seu cocheiro. "Esse homem é a causa principal da arrogância de Duryodhana. Esse homem se gaba como um grande soldado e sempre estoura de vaidade. Vou lhe ensinar uma lição. Dirija a quadriga rápido".

O cocheiro de Satyaki apressou os cavalos prateados da quadriga e conduziu o veículo em alta velocidade. Satyaki e Drona atiraram setas um no outro tão rápido que cobriram o Sol, e o campo de batalha ficou escuro por um momento. As setas de aço zuniam e brilhavam como serpentes de pele nova a correr.

A cobertura e o estandarte das duas quadrigas caíram no chão. Drona bem como Satyaki sangravam muito. Os guerreiros nos dois lados ficaram imóveis para assistir o duelo e não soaram seus búzios ou emitiram seus gritos de guerra ou bradaram seus rugidos de leão.

Os Devas, Vidyadharas, Gandharvas e Yakshas assistiam o grande combate do alto. O arco de Drona foi quebrado por uma flecha certeira de Satyaki, e o filho de Bharadwaja pegou outro arco, e quando ainda punha a corda, Satyaki o derrubou novamente. Drona pegou outro arco que também foi derrubado.

E assim continuou até Drona perder cento e um arcos sem poder disparar uma flecha sequer. O grande acharya falou consigo mesmo: "Esse homem Satyaki é um guerreiro da classe de Sri Rama, Kartavirya, Dhananjaya e Bhisma", e estava contente por ter um oponente à sua altura.

Era a alegria dum artesão profissional em ver a habilidade exibida na arte que ama. Para cada seta especialmente carregada que Drona atirava, Satyaki tinha uma resposta pronta de qualidade equivalente. Esse combate equilibrado continuou por muito tempo. Drona que tinha habilidade sem rival na arte dos arqueiros então resolveu matar Satyaki e atirou a astra de fogo. Mas Satyaki percebeu e, sem perder tempo, mandou a astra de Varuna para contra-atacar.

Mas agora, a força de Satyaki começou a falhar, e ao ver isso, os guerreiros Kauravas ficaram felizes e gritaram de satisfação. Quando Yudhisthira viu que Satyaki estava duramente pressionado, mandou os que estavam perto ajudarem Satyaki. "Nosso grande e bom herói Yuyudhana (Satyaki) sofre derrota de Drona. Vocês têm que ir lá imediatamente", disse ele a Dristadyumna.

"Senão o brâmane vai matar Satyaki em alguns minutos. Por que vocês hesitam? Vão imediatamente. Drona brinca com Satyaki como um gato brinca com um passarinho. Satyaki está mesmo nas garras do Destruidor". Yudhisthira ordenou que o exército fizesse um forte ataque contra Drona. Satyaki foi salvo sem dificuldade. Aí então, o som do búzio de Krishna foi ouvido do setor onde Arjuna lutava.

Yudhisthira gritou: "Ó Satyaki, eu ouço Panchajanya, mas sem o acompanhamento do zunido do arco de Arjuna. Temo que Arjuna esteja cercado pelos amigos de Jayadratha e esteja em perigo. Arjuna é combatido por tropas na sua frente e atrás também. Ele penetrou as fileiras Kauravas na manhã e não voltou ainda apesar da maior parte do dia ter passado. Como é que só ouvimos o som do búzio de Krishna? Temo que Dhananjaya esteja morto e por isso Krishna pegou nas armas. Satyaki, não há nada que você não possa realizar. Seu amigo do peito Arjuna, que lhe ensinou, está em perigo mortal. Arjuna sempre falava com admiração sobre sua grande habilidade e poder: 'Não há nenhum soldado como Satyaki', ele me disse quando estávamos na floresta. Ó, olhe lá! A poeira sobe naquele lado. Tenho certeza que Arjuna foi cercado. Jayadratha é um guerreiro poderoso, e há muitos guerreiros inimigos para ajudá-lo e prontos para morrer em sua defesa. Vá imediatamente, Satyaki". Assim falou Dharmaputra com grande temor.

Satyaki, que estava exausto depois de seu combate contra Drona, respondeu: "Ó impecável entre os homens, obedecerei à sua ordem. O que não faço por Dhananjaya? Minha vida é a menor ninharia perante meus olhos. Se me ordenar, estou pronto para lutar até contra os deuses. Mas permita que eu exponha o que o sábio Vasudeva e Arjuna me disseram quando partiram: 'Até que voltemos depois de matar Jayadratha você não pode sair do lado de Yudhisthira. Fique atento para protegê-lo. Nós o encarregamos disso com confiança, e partimos. Só tem um guerreiro no lado Kaurava que tememos, e ele é Drona. Você sabe de sua promessa jurada. Nós vamos deixar a segurança de Dharmaputra em suas mãos'. Assim me falaram Vasudeva e Arjuna quando partiram. Arjuna depositou sua confiança em mim, pois me considera digno dela. Como posso desprezar sua ordem? Não tenha medo sobre a segurança de Arjuna. Ninguém pode derrotá-lo. O rei de Sindhu e os outros não podem competir nem mesmo com a décima sexta parte de Arjuna. Dharmaputra, a quem vou confiar sua segurança se eu for? Não vejo ninguém aqui que pode enfrentar Drona se ele vier para capturá-lo. Não me peça para ir. Considere bem antes de me mandar ir".

Yudhisthira respondeu: "Satyaki, eu já pensei sobre isso. Eu ponderei sobre o perigo e a necessidade e conclui que você tem que ir. Você me deixa com total permissão. Aqui está o poderoso Bhima para cuidar da minha segurança. Aqui também está Dristadyumna, e há muitos outros além desses. Não precisa se preocupar comigo".

Ao dizer isso, Yudhisthira pôs uma caixa cheia de flechas e outras armas na quadriga de Satyaki e mandou atrelar cavalos descansados, assim mandou Satyaki em frente com a pronúncia de bênçãos para ele.

"Bhimasena, Yudhisthira está sob seus cuidados. Fique atento", disse Satyaki, que foi se encontrar com Dhananjaya.

Satyaki encontrou uma resistência violenta à medida que colidia com as tropas Kauravas. Mas ele rompeu seu caminho e resistiu a toda oposição. Mas a resistência era muito espessa e seu progresso foi devagar.

Quando Drona viu Satyaki deixar Yudhisthira, começou a atacar a formação Pandava sem descanso ou intervalo, até que começou a rompê-la e fazê-la recuar. Yudhisthira ficou muito perturbado.

 

Capítulo 85

A Esperança Afetuosa de Yudhisthira

"Arjuna não voltou, nem Satyaki, que eu mandei encontrá-lo. Bhima, meu temor aumenta. Eu ouço Panchajanya, mas não o zunido da corda do arco de Arjuna. Satyaki, o mais bravo e leal dos amigos, não voltou com nenhuma notícia. Minha ansiedade aumenta a cada momento", disse Yudhisthira a Bhima com grande perplexidade mental.

Bhimasena respondeu: "Nunca vi você com tanta ansiedade na mente. Não deixe que sua coragem diminua. Ordene-me como quiser. Não deixe as rodas da sua mente se atolarem na lama da ansiedade".

"Querido Bhima, temo que seu irmão esteja morto, e parece que agora o próprio Madhava pegou as armas. Ouço o búzio de Madhava mas não ouço o zunido do Gandiva. Temo que Dhananjaya, o herói sem rival, em quem concentramos todas as nossas esperanças, foi morto. Minha mente está confusa. Se você fizer o que lhe digo, vá imediatamente para onde Arjuna está. Junte-se a ele e Satyaki, e faça o que tem de ser feito, e volte. Satyaki, sob minhas ordens, penetrou nas fileiras Kauravas e procedeu na direção de Arjuna. Vá agora, e faça o mesmo, se conseguir vê-los vivos, vou saber pelo seu rugido de leão".

"Meu senhor, não se preocupe. Eu irei e avisarei que eles estão a salvo", disse Bhima, que se dirigiu a Dristadyumna imediatamente e disse: "Panchala, você sabe exatamente o que Drona procura, de qualquer jeito, capturar Dharmaputra vivo. Nosso dever principal é proteger o rei. Mas também tenho que obedecer e cumprir a sua ordem. E por isso eu vou, e o deixo sob seus cuidados".

"Bhima, não se preocupe. Vá com confiança. Drona não pode levar Yudhisthira sem primeiro me matar", disse o heróico filho de Drupada, inimigo jurado de Drona. E Bhima saiu com pressa.

Os Kauravas cercaram Bhima com força total e juraram impedi-lo de ir salvar Arjuna. Mas como um leão que dispersa animais menos nobres, ele botava seus inimigos para correr, e matou não menos do que onze filhos de Dhritarastra. Bhima então se aproximou do próprio Drona. Drona gritou: "Pare. Aqui estou eu, seu inimigo. Você não pode continuar sem me derrotar. Seu irmão Arjuna foi com meu consentimento. Mas não posso deixar você ir". Drona falou assim pois achava que receberia a mesma cortesia de Bhima como foi com Arjuna. Mas Bhima ficou furioso quando ouviu essas palavras de Drona, e respondeu com sarcasmo:

"Ó brâmane, não foi com sua permissão que Arjuna avançou. Ele quebrou sua resistência e penetrou suas linhas de batalha por abrir seu caminho com luta, e ele não o feriu por causa da pena que sente de você. Mas eu não vou, como Arjuna, ter pena de você. Sou seu inimigo. No passado, você foi nosso preceptor e era como um pai para nós. Nós o respeitávamos assim. Agora, você mesmo disse que é nosso inimigo. Assim seja"! Ao dizer isso, Bhima arremessou sua maça contra a quadriga de Drona que foi quebrada em pedaços. E Drona teve que pegar uma nova quadriga.

A segunda quadriga também foi despedaçada. E Bhima forçou sua passagem e vencia toda a oposição. Drona perdeu oito quadrigas naquele dia. E o exército dos Bhojas, que tentou deter Bhima, foi completamente destruído.

Ele avançou enquanto derrubava toda resistência e alcançou o local onde Arjuna lutava contra as tropas de Jayadratha.

Logo que viu Arjuna, Bhima rugiu como um leão. Quando ouviram o rugido, Krishna e Arjuna ficaram extremamente felizes e deram gritos de alegria. Yudhisthira ouviu esses rugidos e se livrou de suas ansiedades e dúvidas, então pronunciou bênçãos para Arjuna. E pensou consigo mesmo:

"Antes que o Sol se ponha hoje, o juramento de Arjuna será cumprido. Ele matará o homem que causou a morte de Abhimanyu e retornará triunfante. Duryodhana pode querer a paz depois da morte de Jayadratha. Depois de ver tantos de seus irmãos mortos, é possível que o tolo Duryodhana veja a luz. As vidas de vários reis e grandes guerreiros foi sacrificada no campo de batalha, e mesmo o teimoso e obtuso Duryodhana poderá enxergar seu erro e procurar a paz. Será que isso acontecerá mesmo? O grande patriarca Bhisma foi oferecido como um sacrifício. Será que essa inimizade acabará com isso e seremos salvos de mais destruição cruel"?

Enquanto Yudhisthira cultivava a esperança afetuosa e sonhava com a paz, a batalha era travada com muita fúria onde Bhima, Satyaki e Arjuna enfrentavam o inimigo.

Somente o Senhor sabe com quais dores do parto o mundo deve evoluir. Seus caminhos são imprevisíveis.

 

Capítulo 86

Karna e Bhima

Arjuna deixou Yudhisthira sem defender os ataques de Drona, e foi para cumprir sua palavra de honra de que Jayadratha cairia morto no campo de batalha antes do pôr-do-sol.

Jayadratha foi o principal causador da morte de Abhimanyu. Foi quem impediu com eficiência que Abhimanyu fosse libertado pelos Pandavas, e assim fez com que Abhimanyu ficasse isolado, vencido e morto.

Nós vimos como Yudhisthira com sua grande ansiedade primeiro mandou Satyaki e depois Bhima para ajudarem Arjuna em seu combate contra Jayadratha. Bhima chegou onde Arjuna travava a batalha e emitiu seu simhanada (rugido de leão). Dharmaputra ouviu o rugido de leão de Bhima e soube que Arjuna foi encontrado vivo.

Era o décimo quarto dia e a batalha era travada violentamente em vários pontos, entre Satyaki contra Bhurishrava num local, entre Bhima contra Karna em outro e entre Arjuna e Jayadratha num terceiro ponto.

Drona ficou na frente principal para resistir ao ataque dos Panchalas e dos Pandavas, e liderar uma contra-ofensiva neles.

Duryodhana chegou com suas tropas no setor onde Arjuna atacava Jayadratha, mas logo foi derrotado e recuou. A batalha foi travada por um longo tempo e com muita fúria em mais de uma frente. Os exércitos foram tão desdobrados que os dois lados ficaram expostos ao perigo em suas retaguardas.

Duryodhana falava para Drona:

"Arjuna, Bhima e Satyaki nos trataram com desdém e avançaram com sucesso para o setor de Jayadratha e fazem uma grande pressão sobre o rei de Sindhu. É mesmo muito estranho que sob seu comando nossa formação de batalha foi rompida e nossos planos foram totalmente frustrados. Todo mundo pergunta como é que o grande Drona com toda sua mestria na ciência da guerra foi tão superado nas manobras. Que resposta eu devo dar? Fui traído por você".

Assim, Duryodhana, mais uma vez, repreendeu Drona severamente, que respondeu sem se perturbar:

"Duryodhana, suas acusações são injustas e são contrárias à verdade. Não se ganha nada por falar sobre o que é passado e fora de reparo. Pense no que deve ser feito".

"Senhor, é sua função me aconselhar. Diga-me o que deve ser feito. Faça sua melhor consideração sobre as dificuldades da situação e decida para que possamos agir rápido". Confuso e perplexo, Duryodhana apelou assim.

Drona respondeu: "Meu filho, a situação é sem dúvida grave. Três grandes generais avançaram depois de superarem nossa manobra. Mas eles também têm vários motivos para estarem ansiosos como nós, pois a retaguarda deles foi deixada aberta para o ataque como a nossa. Estamos nos dois lados deles e sua posição portanto não é segura. Fique animado, vá até Jayadratha novamente, e faça tudo que puder para apoiá-lo. Não adianta nada se desanimar por se ater nas derrotas e dificuldades passadas. É melhor eu permanecer aqui e mandar reforços quando forem requisitados. Tenho que manter o exército Panchala e Pandava ocupado aqui. Senão, vamos ser totalmente destruídos".

De acordo, Duryodhana foi novamente com ânimo renovado para onde Arjuna dirigia seu ataque contra Jayadratha.

Assim continuou o décimo quarto dia de batalha. As manobras de ataque pelos flancos de Arjuna deixavam o inimigo extremamente desorientado. A história desse dia de batalha narra o terrível combate entre Bhima e Karna.

Bhima não queria lutar com Karna e perder muito tempo com isso. Ele estava ansioso para chegar onde Arjuna estava. Mas Radheya não permitia isso de nenhuma forma. Ele descarregava suas flechas contra Bhimasena e o impedia de prosseguir.

O contraste entre os dois guerreiros era impressionante. Karna com seu belo rosto como a lótus estava radiante com sorrisos enquanto atacava Bhima, e disse: "Não me mostre suas costas! Não fuja agora como um covarde"! E assim por diante.

Bhima estava muito furioso por ser provocado dessa forma. Estava enfurecido pelos sorrisos sarcásticos de Karna. O combate era violento mas Karna fazia tudo com um sorriso e ares de tranqüilidade enquanto a face de Bhima brilhava de raiva e seus movimentos eram violentos.

Karna mantinha distância e disparava suas setas certeiras, mas Bhima desprezava as flechas e arpões que caíam pesado sobre ele, e sempre tentava se aproximar de Karna.

Radheya fazia tudo com calma e tranqüilidade graciosa, enquanto Bhimasena ficava encolerizado e irritado com a impaciência, ao exibir sua admirável força física.

Bhima estava vermelho com ferimentos que sangravam por todo corpo, e parecia com uma árvore ashoka em florescência plena. Mas ele não se importava, atacava Karna e quebrava arcos em dois, e despedaçava sua quadriga.

Quando Karna teve que correr para pegar uma quadriga nova, não tinha nenhum sorriso em sua face. Pois a ira despertou dentro dele, como o mar num dia de lua cheia, quando atacou Bhima. Os dois exibiram a força de tigres e a velocidade de águias, e agora sua ira era como a de serpentes em fúria.

Bhima trouxe para sua mente todos os insultos e injúrias que ele, seus irmãos e Draupadi sofreram, e lutou desesperadamente, sem se preocupar com a vida.

Os dois veículos colidiram e os cavalos cor de leite da quadriga de Karna e os cavalos negros de Bhimasena se chocaram no combate como nuvens numa tempestade.

A arco de Karna foi despedaçado e seu cocheiro cambaleou e caiu. Karna então atirou um arpão contra Bhima. Mas Bhima o aparou e continuou a descarregar suas flechas contra Karna, que pegou um arco novo.

Karna perdeu sua quadriga várias vezes. Duryodhana viu a situação de Karna, chamou seu irmão Durjaya e disse: "Esse Pandava malvado vai matar Karna. Vá imediatamente atacar Bhima e salve a vida de Karna".

Durjaya foi conforme ordenado e atacou Bhima que, com muita violência, disparou sete setas que mandaram os cavalos e o cocheiro de Durjaya para a morada de Yama, e o próprio Durjaya caiu ferido mortalmente.

Ao ver seu corpo ensangüentado contorcido no chão como uma serpente ferida, Karna ficou desorientado de tristeza e girou em volta do corpo do herói, com murmúrios de honra ao morto.

Bhima não parou mas continuou o combate com um ataque pesado sobre Karna. Karna teve que achar uma nova quadriga novamente. Ele disparou setas certeiras que atingiram Bhima, que enfurecido arremessou sua maça contra Karna, assim despedaçou sua quadriga, matou o cocheiro e os cavalos e derrubou seu estandarte. Karna agora estava de pé no chão com o arco em punho.

Duryodhana então mandou outro irmão para aliviar Karna. Durmukha seguiu a ordem e conseguiu pegar Karna em sua quadriga.

Ao ver mais um filho de Dhritarastra vir para se oferecer à morte, Bhima lambeu seus lábios de satisfação e disparou nove flechas no novo inimigo recém chegado. E, quando Karna ainda subia na quadriga para se sentar, a armadura de Durmukha rompeu e ele caiu sem vida.

Quando Karna viu o guerreiro banhado em sangue e deitado morto ao seu lado, ficou desorientado pela tristeza novamente e ficou imóvel por um instante.

Bhima continuou seu ataque sem trégua contra Karna. Suas flechas afiadas penetraram na armadura de Karna e ele sentiu muita dor.

Mas ele também retomou o ataque e feriu Bhima por todo o corpo.

Mesmo assim o Pandava não parava e atacava Karna com fúria. A visão de tantos irmãos de Duryodhana mortos por sua causa, uma após o outro, foi demais para Karna.

Isso, bem como a dor física de seus ferimentos fizeram ele perder a coragem e recuar derrotado. Mas, quando Bhima ficou em pé no campo de batalha, vermelho de ferimentos por todo corpo como o fogo ardente, e emitiu um brado de triunfo, ele não pôde tolerar e voltou para o combate.

 

Capítulo 87

Promessa Respeitada

Dhritarastra, quando ouviu sobre a matança de seus filhos e o castigo sofrido por Karna, ficou desolado: "Ó Sanjaya, como mariposas no fogo, meus filhos são destruídos. O teimoso Duryodhana mandou os jovens Durmukha e Durjaya para sua destruição. Ai de mim, perdi meus dois meninos! O tolo disse: 'Karna, que não tem rival por sua coragem e realização em batalha, está do nosso lado. Quem poderá nos derrotar? Nem os deuses podem vencer uma batalha contra mim se Karna estiver do meu lado. O que esses Pandavas podem fazer contra mim'? Mas agora ele viu Karna ser derrotado e retroceder quando foi atacado por Bhimasena. Será que teve algum vislumbre de sabedoria agora? Ai de mim, Sanjaya, meu filho ganhou o ódio mortal do filho de Vayu, Bhima, que tem a mesma força que o deus da morte! Estamos mesmo arruinados"!

Sanjaya respondeu: "Ó rei, não foi você mesmo que trouxe à tona esse ódio insaciável quando ouviu as palavras do seu filho teimoso e tolo? Este grande desastre é mesmo por sua causa. Agora você colhe os frutos por ter desprezado o conselho de Bhisma e dos outros mais velhos. Culpe a si mesmo, rei. Não culpe Karna nem os bravos guerreiros que dão o melhor de si na batalha".

Depois de repreender o rei cego, Sanjaya continuou a narrar para ele tudo que acontecia. Cinco filhos de Dhritarastra, Durmarsha, Dusaha, Durmata, Durdhara e Jaya, quando viram Karna ser posto a correr por Bhima, imediatamente foram atacá-lo com pressa.

Quando Karna viu isso, recuperou o ânimo e voltou para retomar o ataque. Bhimasena a princípio ignorou os filhos de Dhritarastra e se concentrou em Karna.

Mas eles ficaram tão violentos em seu ataque que Bhima ficou furioso e voltou sua atenção para eles, então se livrou dos cinco. Eles caíram mortos no chão, junto com seus cavalos e cocheiros.

Os jovens guerreiros com seus ferimentos sangrentos pareciam uma floresta com suas árvores arrancadas por um furacão e espalhadas no chão com suas belas flores vermelhas.

Quando Karna viu outro lote de príncipes mortos por sua causa, lutou com mais seriedade do que antes. Bhima também estava muito mais violento do que antes, e se lembrava de todo o mal que Karna infligiu aos Pandavas.

Ele usou seu arco para desarmar Karna completamente. Seus cavalos e cocheiro também caíram no chão. Karna então saltou de sua quadriga e arremessou sua maça contra Bhima.

Mas Bhima a interceptou com as setas de seu poderoso arco, e cobriu Karna com uma chuva de flechas que o forçaram a recuar e correr a pé.

Duryodhana, que assistia esse combate, ficou muito angustiado e mandou sete de seus irmãos, Chitra, Upachitra, Chitraksha, Charuchitra, Sarasana, Chitrayudha e Chitravarman, para ajudarem Radheya.

Eles combateram Bhima com muita habilidade e energia. Mas caíram mortos um após o outro, pois a paixão de Bhima fervia e seu ataque era irresistível.

Quando Karna viu tantos filhos de Dhritarastra se sacrificarem por ele, sua face ficou cheia de lágrimas, então montou numa nova quadriga e começou a atacar Bhima com efeito mortal.

Os dois combatentes colidiam como nuvens numa tempestade. Keshava, Satyaki e Arjuna ficaram altamente admirados e felizes em verem Bhima lutar.

Bhurishrava, Kripacharya, Asvatthama, Shalya, Jayadratha e muitos outros guerreiros do exército Kaurava também romperam em exclamações, admirados com a forma como Bhima lutava.

Duryodhana estava atormentado em excesso e queimava de ira. A situação de Karna o deixou em severa ansiedade. Ele temia que Bhima matasse Radheya naquele dia, e mandou mais sete irmãos, ordenou que cercassem Bhima e o atacassem simultaneamente.

Os sete irmãos mandados por Duryodhana atacaram Bhima. Mas caíram, um após o outro, atingidos por suas flechas. Vikarna, o último a ser morto, era querido por todos.

Quando Bhima o viu cair morto depois dum bravo combate, ficou profundamente comovido, e exclamou: "Ai de mim! Ó Vikarna, você era justo e sabia o que é dharma! Você lutou em obediência leal ao chamado do dever. Tive que matá-lo. Esta batalha é mesmo uma maldição onde homens como você e o grande patriarca Bhisma tiveram que ser mortos".

Ao ver os irmãos de Duryodhana, que viam ajudá-lo, morrerem um após o outro dessa forma, Karna ficou tomado pela angústia. Ele encostou no assento de sua quadriga e fechou os olhos, incapaz de suportar a visão.

Então recobrou o controle de suas emoções, endureceu seu coração e começou a atacar Bhima novamente. Arco depois de arco era quebrado pelas setas de Bhima, mas Karna permaneceu no combate.

Ele teve que pegar um novo arco dezoito vezes. Karna perdeu seu sorriso há muito tempo, e sua face exibia uma ira selvagem como a de Bhima. Agora eles se encaravam ferozmente enquanto lutavam.

Yudhisthira agora ouviu o rugido de Bhima que se destacava acima do tumulto da batalha, e animado por ele, lutou contra Drona com vigor incrementado.

No terrível combate renovado entre Bhima e Karna, Bhima perdeu seus cavalos e cocheiro. Logo sua quadriga foi feita em pedaços. Então, Bhima arremessou sua lança contra Karna que estava em sua quadriga mas Karna a interceptou com sua seta, Bhima avançou com espada e escudo em punho.

Mas Karna quebrou o escudo imediatamente com suas setas. Então, Bhima girou sua espada, arremessou e cortou o arco de Karna em dois que caiu no chão. Mas Karna pegou outro arco ainda e atacou Bhima com flechas com mais intensidade do que antes.

Bhima, num acesso de fúria incontrolável, correu para cima de Karna. Radheya se escondeu atrás do mastro da bandeira e escapou da destruição. Então, Bhima saltou fora da quadriga de Karna para o campo de batalha onde, sem nenhuma arma, usou os elefantes caídos mortos no chão para se proteger das flechas de Karna, e continuou a lutar.

Ele pegava tudo que estivesse ao seu alcance, rodas de quadrigas quebradas, membros de cavalos e elefantes espalhados em volta, e arremessava contra Karna, assim o mantinha ocupado sem intervalo. Mas isso não pôde continuar mais, e logo Bhima estava em grande desvantagem. Karna exclamou exultado:

"Seu glutão tolo, você não conhece a ciência da guerra, por que se empenha nesta batalha? Vá para a selva e se encha de frutas e raízes assim fique muito gordo. Você é um selvagem, não adequado para batalha kshatriya. Vá embora!" Com muitos insultos provocantes, ele fez o desamparado Bhima queimar de raiva, mas consciente de sua promessa a Kunti, se controlou para não matá-lo.

"Lá, Arjuna! Veja o pobre Bhima ser arrasado por Karna", disse Krishna. Os olhos de Dhananjaya ficaram vermelhos de raiva quando viu a situação de seu valente irmão.

Ele curvou seu arco Gandiva e descarregou flechas contra Karna, que muito feliz voltou sua atenção de Bhima para Arjuna. Ele deu sua palavra a Kunti que não mataria mais de um Pandava, e reservava essa opção para Arjuna.

 

Capítulo 88

O Fim de Bhurishrava

"Aí vem o bravo Satyaki", disse Krishna, o cocheiro, para Dhananjaya. "Seu discípulo e amigo marcha em frente, triunfante por romper as fileiras inimigas".

"Não gosto disso, Madhava"! Respondeu Arjuna. "Não foi certo ele deixar Dharmaputra e vir aqui para me encontrar. Drona está lá à espera duma oportunidade para capturar Dharmaputra. Satyaki deveria permanecer em seu posto para protegê-lo. Em vez disso, ele veio para cá. O velho Bhurishrava interceptou Satyaki. Foi um grande erro Yudhisthira mandar Satyaki embora para cá".

Aconteceu uma rixa familiar entre Bhurishrava e Satyaki que os tornou inimigos inveterados.

Aconteceu da seguinte forma. Quando Devaki, abençoada para ser a mãe de Sri Krishna, era uma donzela, muitos príncipes competiram por sua mão e houve um grande combate entre Somadatta e Shini por causa disso.

Shini venceu, e em nome de Vasudeva, pôs Devaki em sua quadriga e a levou embora. Desde esses incidentes, começou uma rixa entre os dois clãs, a família de Shini e a de Somadatta. Satyaki era neto de Shini.

Bhurishrava era filho de Somadatta. Desde que os dois estavam em lados opostos da batalha de Kurukshetra, quando Bhurishrava viu Satyaki, era natural que o velho guerreiro desafiasse Satyaki para um combate.

Bhurishrava gritou: "Ó Satyaki, sei que você anda empertigado por se achar um homem de grande habilidade. Agora, tenho você sob minha força e vou acabar com você de imediato. Faz muito tempo que espero por esta oportunidade. Assim como Indrajit destruiu o filho de Dasharatha, Lakshmana, você morrerá hoje e irá para o reino de Yama, o que alegrará os corações de muitas viúvas em luto".

Satyaki riu, e interrompeu: "Chega da sua bazófia. Palavras não são ações, e não assustam homens lutadores. Mostre a sua coragem em ação e não seja inútil como o trovão seco das nuvens de outono".

Depois dessa troca de palavras, a batalha começou, e o combate era como entre dois leões ferozes. Seus cavalos foram mortos, seus arcos quebrados, e ambos ficaram sem suas quadrigas.

Os dois estavam agora no chão e lutavam com espadas e escudos, até que seus escudos se espatifaram em pedaços e suas espadas quebraram. Então eles travaram uma luta corpórea mortal sem armas.

Eles rolaram juntos no chão. Levantaram e saltaram um em cima do outro. Caíram no chão novamente, e assim o combate continuou por algum tempo.

A mente de Partha estava concentrada nos movimentos de Jayadratha e ele não viu esse combate entre Satyaki e o filho de Somadatta.

Mas seu cocheiro, Krishna, estava muito preocupado com o destino de Satyaki. Pois Krishna sabia de sua rixa familiar.

Krishna disse: "Dhananjaya, Satyaki está exausto. Bhurishrava vai matá-lo agora".

Arjuna ainda só seguia os movimentos de Jayadratha.

"Satyaki que veio duma exaustiva batalha contra as tropas Kauravas foi forçado a aceitar o desafio de Bhurishrava", disse Krishna novamente. "É uma batalha muito desigual. A menos que o ajudemos, nosso amado Yuyudhana será morto".

No momento que Krishna disse isso, Bhurishrava levantou Satyaki e o atirou com força no chão, e todos os homens do exército Kaurava exclamaram: "Yuyudhana está morto"!

Krishna protestou novamente: "Satyaki está deitado quase morto no chão, o melhor da dinastia Vrishni. Ele que veio ajudá-lo, morre na frente de seus olhos. Você olha e não faz nada".

Bhurishrava pegou Satyaki prostrado e o arrastou pelo chão como um leão arrasta um elefante que é sua presa.

Arjuna ficou num grande conflito mental: "Bhurishrava não foi desafiado para um combate comigo, nem ele me desafiou para lutar. Como posso atirar minhas setas contra Bhurishrava quando ele está ocupado em outra luta? Minha mente rejeita tal ação, apesar de ser verdade, é um amigo que veio me ajudar e morre perante meus olhos".

Logo que Arjuna acabou de falar isso, o céu escureceu com uma nuvem de flechas disparadas por Jayadratha. Arjuna respondeu com uma chuva de flechas, mas ele se voltava constantemente com muito pesar para onde Satyaki estava sob o domínio mortal de Bhurishrava.

Krishna pressionou Arjuna novamente para considerar a condição de Satyaki: "Ó Partha, Satyaki perdeu todas suas armas e agora está sob o poder de Bhurishrava, desamparado".

Quando Arjuna se virou, viu Bhurishrava com seu pé sobre o corpo prostrado de Satyaki, com a espada levantada para matá-lo.

Antes que Bhurishrava desse o golpe fatal, Arjuna disparou uma flecha que saiu com a velocidade dum raio e no instante seguinte, o braço levantado caiu decepado no chão com a espada ainda em punho. Bhurishrava, espantado, virou-se e viu quem fez isso.

Ele exclamou: "Filho de Kunti, não esperava isso de você! Não é digno um guerreiro disparar pelas costas dessa forma. Eu estava em combate com outra pessoa e você me atacou sem eu perceber. Realmente, nenhum homem pode resistir à influência maligna da companhia que mantém, como sua conduta covarde prova. Dhananjaya, quando você voltar para seu irmão Dharmaputra, que prestação de contas dará a ele sobre esse ato de bravura. Ah! Quem ensinou esse golpe baixo a você, Arjuna? Você aprendeu com seu pai Indra ou de seus professores Drona e Kripacharya? Qual código de conduta permitiu a você atirar uma flecha num homem ocupado em combate com outro e que não pôde voltar seus olhos para vê-lo? Você deve ter sido induzido a fazer isso pelo filho de Vasudeva. Não é da sua natureza fazer uma coisa dessas. Ninguém com sangue real em suas veias pensaria em fazer um ato tão covarde. Você sabe que foi induzido a isso pelo desprezível Krishna".

Assim, Bhurishrava com seu braço direito decepado, denunciou Krishna e Arjuna severamente no campo de batalha em Kurukshetra.

Partha disse: "Bhurishrava, sua idade avançada parece que afetou seu julgamento. Você acusa Hrishikesha e eu sem motivo. Como poderia olhar e não fazer nada, quando, diante dos meus olhos, você estava pronto para matar meu amigo, que veio e arriscou sua vida por mim, alguém que é como minha mão direita, e quem você ia apunhalar quando estava deitado desamparado no chão? Eu mereceria ir para o inferno se falhasse na intervenção. Você disse que me arruinei pela companhia de Madhava. Quem no mundo inteiro não gostaria de ser arruinado assim? Você falou com seu entendimento confuso. Satyaki estava fatigado e exausto quando veio para cá e não estava armado de forma adequada, mas mesmo assim você o desafiou para o combate. Você o derrotou, ele caiu no chão impotente. Qual código de honra permite que você levante sua espada, apunhale o corpo dum guerreiro caído e o mate? Será que não me lembro como você congratulou o homem que matou meu menino Abhimanyu quando ele cambaleava, exausto e desarmado, com sua armadura destroçada"?

Bhurishrava que ouviu isso, não respondeu, mas espalhou suas flechas no chão com sua mão esquerda e se sentou para meditar.

O velho guerreiro sentou em posição de yoga e a cena comoveu muito os soldados Kauravas. Eles aclamavam Bhurishrava e gritavam protestos contra Krishna e Arjuna.

Arjuna falou: "Homens bravos, eu jurei proteger qualquer amigo que estivesse no alcance do meu arco, e não posso deixar um inimigo matá-lo. É meu juramento sagrado. Por que vocês me condenam? Não é certo proferir acusações sem a devida reflexão".

Depois de dizer isso aos guerreiros no campo de batalha que o censuravam, ele se voltou para Bhurishrava e disse: "Ó excelente entre os homens bravos, você protegeu tantos que procuraram sua ajuda. Você sabe o que aconteceu foi pelo seu próprio erro. Não é justo me culpar. Se quiser, vamos todos culpar a violência que governa a vida kshatriya".

Bhurishrava, que ouviu isso, abaixou sua cabeça em aprovação.

Satyaki recobrou sua consciência nesse momento e se levantou. Levado pela impetuosidade de sua paixão, pegou uma espada, avançou contra Bhurishrava, sentado em seu assento de flechas em posição de yoga, mesmo os gritos de horror de todos que estavam em volta e diante de Krishna e Arjuna, que correram para o local, não puderam impedi-lo, e com um único e potente golpe, cortou a cabeça do velho guerreiro que rolou no chão, enquanto o corpo ainda ficou em postura de meditação.

Os deuses e os siddhas, que assistiam do alto, pronunciaram bênçãos para Bhurishrava. Todos no campo de batalha condenaram o ato de Satyaki.

Satyaki sustentou que estava certo, e exclamou: "Depois que eu caí sem sentidos, esse inimigo da minha família pôs seu pé em minha pessoa caída e tentou me matar. Eu o mataria em qualquer posição que ele escolhesse". Mas ninguém aprovou sua conduta.

A morte de Bhurishrava é uma das muitas situações de conflito moral contadas na história do Mahabharata para demonstrar que, quando o ódio e a ira vêm à tona, os códigos de honra e dharma são impotentes para controlá-los.

 

Capítulo 89

Jayadratha Morto

"Chegou a hora decisiva, Karna", disse Duryodhana, "Se Jayadratha não for morto hoje até que a noite caia, Arjuna estará perdido e irá se matar, por não ter cumprido seu juramento. Com a morte de Arjuna, a destruição dos Pandavas é certa, e este reino será nosso sem questionamentos com soberania absoluta. Dhananjaya fez esse juramento impossível num momento sem pensar, pois os deuses desejaram que ele fosse destruído por suas próprias mãos. Parece que meus astros agora estão em ascendência. Não podemos deixar essa oportunidade escapar. Devemos tratar que seu desafio seja frustrado. Tudo depende de você. Sua grande habilidade em batalha está em prova hoje. Comprove a si mesmo neste dia. Veja, o Sol começa a descer para o oeste. Dentro de pouco tempo antes do cair da noite, não acho que seja possível Partha se aproximar de Jayadratha. Você, Asvatthama, Shalya, Kripa e eu temos que proteger Jayadratha e fazer tudo que pudermos para que ele não caia nas mãos de Arjuna durante as poucas horas antes do pôr-do-sol".

Karna respondeu: "Meu rei, estou todo ferido por Bhimasena, e estou tão fatigado que meus membros não têm força. Mesmo assim, vou empenhar toda a força que me resta. Eu vivo apenas para servi-lo".

Enquanto Karna e Duryodhana planejavam dessa forma, Arjuna fazia um grande ataque contra o exército Kaurava e empenhava toda sua força, para que pudesse alcançar Jayadratha antes do pôr-do-sol.

Krishna pôs Seu búzio Panchajanya na boca e soprou uma nota alta em rishabha swara, que era o sinal para Seu cocheiro pessoal Daruka trazer imediatamente Sua quadriga.

Quando chegou, Satyaki tomou seu lugar nela, atacou Karna vigorosamente e habilmente, e o deixou totalmente ocupado. A perícia de Daruka em dirigir e a mestria de Satyaki na arte dos arqueiros era tamanha que fez os deuses descerem para assistir o combate.

Os quatro cavalos da quadriga de Karna foram desatrelados e o cocheiro derrubado. Depois, o mastro da bandeira foi cortado e a quadriga foi despedaçada. O grande Karna ficou sem quadriga e o evento gerou um grande tremor no exército Kaurava.

Karna teve que correr e subir na quadriga de Duryodhana. Sanjaya, nesse momento, diz para Dhritarastra, a quem relatava o incidente: "Os maiores habilidosos na arte dos arqueiros são Krishna, Partha e Satyaki. Não existe um quarto para se equiparar a eles"!

Arjuna rompeu a resistência Kaurava e alcançou Jayadratha. Exaltado com a lembrança da morte de Abhimanyu, e todas injúrias infligidas pelos Kauravas, Arjuna lutou com fúria.

Savyasachin então disparava flechas de arco Gandiva com uma mão e depois com a outra. Ele causou terror e confusão entre os inimigos, que caíam como se a Morte estivesse no campo de batalha com suas presas totalmente abertas.

Somente o poeta do Mahabharata pode descrever o combate que foi travado entre Arjuna e Asvatthama, e outros grandes guerreiros que protegiam o rei de Sindhu. Eles lutaram bravamente mas todos foram derrotados e não conseguiram impedir que Arjuna alcançasse Jayadratha. O ataque contra Jayadratha começou e a batalha foi travada por um longo tempo. Ambos os lados olhavam constantemente para o oeste, pois o dia estava quase para acabar. O Saindhava não era adversário fraco, e se empenhou ao máximo, a força e a habilidade de Arjuna foram empenhadas seriamente.

O Sol afundou no horizonte e ficou avermelhado, mas a batalha não cessou. "Resta muito pouco tempo. Parece que Jayadratha foi salvo e o desafio de Arjuna fracassou. O juramento não foi cumprido e Arjuna vai para a desgraça", disse Duryodhana consigo mesmo com muita alegria.

Subitamente, tudo ficou escuro, e ouviam-se gritos nos dois exércitos: "O Sol se pôs e Jayadratha não foi morto. Arjuna está perdido". Os Pandavas ficaram deprimidos em contraste aos gritos de alegria no exército Kaurava.

Jayadratha se virou para o horizonte ocidental e pensou consigo mesmo: "Estou salvo"! Pois não viu o Sol e pensou que o tempo limite do perigo por causa de Arjuna se esgotou.

Porém, nesse momento, Krishna disse para Arjuna: "Dhananjaya, o rei de Sindhu olha para o horizonte. Eu causei esta escuridão. O Sol ainda está em cima e não se pôs. Faça seu trabalho. Agora é o momento para isso, pois Jayadratha está com a guarda baixa".

Uma flecha voou do arco Gandiva, e como um abutre que ataca uma galinha, levou a cabeça de Jayadratha. Krishna gritou: "Ouça, Arjuna, dispare suas flechas em lotes rápidos, para que a cabeça seja suportada para não cair no chão e aterrisse no colo de Vridhakshatra".

E Arjuna disparou suas flechas maravilhosas que carregaram a cabeça no ar. Foi uma cena estranha. Vridhakshatra estava em seu ashrama absorto na meditação vespertina com os olhos fechados, quando a cabeça de seu filho com belos cabelos negros e brincos de ouro caiu suavemente em seu colo.

O velho rei interrompeu sua meditação e se levantou, quando então a cabeça caiu e rolou no chão. E como foi ordenado, a cabeça de Vridhakshatra estourou em centenas de fragmentos. Jayadratha e seu pai alcançaram o reino dos bravos juntos.

Keshava, Dhananjaya, Bhima, Satyaki, Yudhamanyu e Uttamauja soaram seus búzios, e quando Dharmaraja ouviu o barulho triunfante, soube que significava que Arjuna cumpriu seu juramento e o Saindhava estava morto.

Então, Yudhisthira liderou seu exército ferozmente contra Drona. A noite começou, mas no décimo quarto dia de batalha, a regra de cessar fogo no pôr-do-sol não foi observada. À medida que a paixão crescia dia a dia, uma a uma, as regras e restrições eram quebradas.

 

Capítulo 90

O Falecimento de Drona

Todos que ouviram a história do Mahabharata sabem sobre Ghatotkacha, o famoso filho de Bhimasena com sua esposa asura. Há dois jovens heróis entre os personagens do Mahabharata que representam todas as qualidades de heroísmo, firmeza, força, coragem e amabilidade. Eles são o filho de Arjuna, Abhimanyu, e o filho de Bhima, Ghatotkacha. Ambos deram suas vidas no campo de batalha em Kurukshetra.

Próximo da última parte da luta do Mahabharata, o ódio despertou e ambos os lados não encontravam satisfação na batalha conduzida apenas durante o dia com o encerramento à noite. No décimo quarto dia, depois que o Sol se pôs, a luta não cessou mas continuou sob a luz de tochas.

O campo de Kurukshetra apresentou uma cena esquisita, como nunca foi vista antes em Bharatadesha. Os generais e soldados dos dois lados travavam a batalha com milhares de tochas ardentes e usavam sinais desenvolvidos especialmente para a noite.

Ghatotkacha e suas tropas de asuras eram mais fortes à noite, a escuridão era uma vantagem adicional, assim atacaram violentamente o exército de Duryodhana. O coração de Duryodhana afundou dentro dele quando viu milhares de seus homens destruídos por Ghatotkacha e seu exército de demônios que se moviam no ar e atacavam de formas estranhas e inesperadas.

"Mate esse sujeito imediatamente, Karna, senão, logo todo nosso exército deixará de existir. Acabe com ele sem demora". Assim todos Kauravas desorientados imploravam a Karna.

O próprio Karna estava furioso e desorientado pois acabava de ser ferido por uma flecha dos asuras. Ele tinha consigo sem dúvida a lança de efeito certeiro que Indra lhe deu. Mas só podia ser usada uma vez, e ele a guardava cuidadosamente para uso exclusivo contra Arjuna, com quem um encontro decisivo ele sabia que era inevitável.

Mas na confusão e raiva daquele tumulto sobrenatural da meia-noite, Karna, incitado por um ímpeto súbito, arremessou o projétil no jovem gigante. Assim que Arjuna foi salvo, mas com um alto preço. O querido filho de Bhima, Ghatotkacha, que descarregava suas flechas mortais contra o exército Kaurava em pleno ar, caiu morto, e os Pandavas afundaram na tristeza.

A batalha não parou. Drona espalhou medo e destruição no exército Pandava com seus ataques impiedosos. Krishna disse: "Ó Arjuna, ninguém pode derrotar esse Drona, se lutar com as regras rígidas da guerra. Não podemos competir com ele a menos que dharma seja descartado. Não tem outro jeito. Só há uma coisa que o fará desistir de lutar. Se ele ouvir que Asvatthama está morto, Drona perderá todo interesse na vida e deixará suas armas. Portanto, alguém tem que dizer a Drona que Asvatthama está morto".

Arjuna ficou horrorizado com a proposta, ele não podia admitir dizer uma mentira. Os que estavam perto dele também rejeitaram a idéia, pois ninguém tinha a intenção de fazer parte do engano.

Yudhisthira refletiu profundamente por um momento. "Eu aceitarei o peso desse pecado", disse ele e resolveu o obstáculo!

Era muito estranho. Mas no começo do mundo, quando o oceano de leite foi batido e produziu um veneno mortal que ameaçava todo o universo, Rudra não veio para beber o veneno e salvar os deuses? Para salvar um amigo que dependia Dele totalmente, Rama não suportou o peso de matar Vali, com desprezo às regras da luta justa? Por isso, Yudhisthira decidiu agora aceitar a vergonha para si, pois não tinha outro jeito.

Bhima levantou sua maça de ferro e golpeou a cabeça dum enorme elefante chamado Asvatthama que caiu morto. Depois de matar o elefante Asvatthama, Bhima foi para perto da divisão comandada por Drona e gritou muito alto para que todos pudessem ouvir.

"Eu matei Asvatthama"! Bhimasena que até então nunca tinha feito ou mesmo contemplado um ato ignóbil, quando pronunciou essas palavras, ficou muito envergonhado.

Elas atingiram seu coração em cheio, mas será que era verdade? Drona ouviu essas palavras quando estava para disparar uma brahmastra. "Yudhisthira, é verdade que meu filho foi morto"? Dronacharya perguntou para Dharmaputra.

O acharya achava que Yudhisthira não diria uma mentira, nem pela soberania dos três mundos.

Quando Drona fez essa pergunta, Krishna ficou muito perturbado. "Se Yudhisthira falhar agora e evitar dizer uma mentira, estaremos perdidos. A brahmastra de Drona tem força irresistível e os Pandavas serão destruídos", disse Ele.

E o próprio Yudhisthira tremeu de terror com que estava para fazer, mas dentro de si também queria vencer. "Que haja o meu pecado", disse ele consigo mesmo, endureceu seu coração e disse bem alto: "Sim, é verdade que Asvatthama foi morto".

Mas, quando disse isso, sentiu novamente a desgraça que seria, e acrescentou com a voz baixa e trêmula: "Asvatthama, o elefante", palavras que se perderam no tumulto e não foram ouvidas por Drona.

"Ó rei, assim um grande pecado foi cometido", disse Sanjaya ao cego Dhritarastra, enquanto relatava os eventos da batalha para ele.

Quando as palavras de inverdade saíram da boca de Yudhisthira, as rodas de sua quadriga, que até então permaneciam e se moviam a sete centímetros do chão e nunca tocaram o chão, caíram de imediato e tocaram o chão.

Yudhisthira, que até o momento estava à parte do mundo tão cheio de mentira, de imediato se tornou da Terra, terrestre. Ele também desejava a vitória e escorregou para o caminho da mentira e assim sua quadriga veio para o chão para o caminho comum da humanidade.

Quando Drona ouviu que seu querido filho foi morto, todo seu apego pela vida acabou. E desejou sumir como se nunca estivesse ali. Quando o veterano ficou nesse humor, Bhimasena falou alto para condená-lo com palavras duras:

"Vocês brâmanes, abandonaram as funções legítimas de seu varna e adotaram a profissão bélica dos kshatriyas, e causaram a ruína dos príncipes. Se vocês brâmanes não tivessem extrapolado os deveres pertencentes ao seu nascimento, os príncipes não teriam sido conduzidos à destruição. Você ensina que a não matança é o dharma superior, e que o brâmane é o suporte e nutridor de dharma. Porém, você rejeitou essa sabedoria que é sua por nascimento, e sem nenhuma vergonha se submeteu à profissão de matar. É nosso infortúnio que você se rebaixou a essa vida pecaminosa".

Essas acusações de Bhima causaram muita dor em Drona que já tinha perdido o desejo de viver. Ele jogou suas armas de lado, sentou-se em yoga no assoalho de sua quadriga e logo entrou em transe.

Nesse momento, Dristadyumna sacou sua espada, veio, subiu na quadriga e sem se importar com os gritos de horror e reprovação de todos os lados, satisfez o seu destino como matador de Drona ao cortar a cabeça do velho guerreiro. A alma do filho de Bharadwaja saiu como um clarão visível e partiu para o reino celestial.

O Mahabharata é uma grandiosa e maravilhosa história. Os pesares da humanidade são retratados com uma beleza sublime e se desenrolam num grandioso panorama. Por trás da história dos erros e pesares, o poeta nos permite ter uma visão da Realidade Transcendental. O Ramayana e o Mahabharata não são literatura comum, criada pela mente humana. Fazem parte da Literatura Divina, que descreve os passatempos transcendentais da Suprema Personalidade de Deus e Seus companheiros sublimes eternos. Quando lemos, purificamos e despertamos nossa consciência adormecida, assim nos livramos dos pesares da existência material condicionada e nos elevamos ao plano da Consciência de Krishna, a Realidade, o Belo.

 

Capítulo 91

A Morte de Karna

Karna tenta desatolar sua quadriga

Quando Drona morreu, os príncipes do exército Kaurava nomearam Karna como generalíssimo. Karna estava em pé em sua deslumbrante quadriga dirigida por Shalya. A confiança impecável em seu apoio e seu renome como guerreiro encorajaram os corações dos Kauravas. A batalha começou novamente. Os intérpretes dos astros foram consultados e os Pandavas escolheram a hora propícia para a batalha severa. Arjuna liderou o ataque contra Karna, apoiado por Bhimasena imediatamente atrás de sua quadriga.

Dushasana fez um ataque concentrado contra Bhima e mandou uma chuva de flechas contra ele. Bhima gargalhou e disse consigo mesmo: "Eu tenho agora esse desgraçado a salvo em minhas mãos. Hoje cumprirei minha promessa a Draupadi. Meu juramento já demorou muito para ser executado".

Enquanto Bhima pensava consigo mesmo sobre o que Dushasana tinha feito a Draupadi, a ira dentro dele ardeu de forma incontrolável, assim, ele jogou todas suas armas de lado, pulou da sua quadriga e saltou para cima de Dushasana como um tigre sobre sua presa, arremessou-o no chão e quebrou seus membros.

"Animal perverso, foi esta maldita mão que arrastou Draupadi pelos cabelos? Aqui, eu arranco a raiz do seu corpo. Se tiver alguém aqui que queira ajudá-lo, que venha e tente"!

Lançou um olhar furioso para Duryodhana enquanto rugia esse desafio, então Bhimasena arrancou o braço de Dushasana e jogou o membro sangrento no campo de batalha.

Nesse momento, ele cumpriu o terrível juramento que fez há treze anos. Ele abriu o tórax de Dushasana, tirou seu coração, chupou e bebeu o sangue do corpo de seu inimigo como uma fera com sua presa e dançou sobre o corpo morto no chão cheio de sangue, enlouquecido de paixão. "Eu cumpri"! Rugia ele. "O juramento que fiz contra este grande pecador foi cumprido. Agora só falta cumprir meu juramento em relação a Duryodhana. O fogo de sacrifício está pronto. Que essa vítima também se prepare"!

A cena deixou todo mundo apavorado. Mesmo o grande Karna tremeu quando viu Bhima em seu êxtase de fúria. "Não hesite", disse Shalya a Karna. "Não é próprio que você exiba qualquer sinal que possa ser confundido com medo. Enquanto Duryodhana treme de desespero, não é certo que você também perca o ânimo. Depois da morte do grande Dushasana, a esperança do exército se apóia só em você. Agora você tem que carregar o peso todo. Procure um combate pessoal contra Arjuna, como o guerreiro valente que você é, e conquiste a glória eterna na Terra ou o reino celestial dos soldados"! Com essas palavras, Karna recobrou seu corajoso espírito. Com os olhos vermelhos de raiva e lágrimas não derramadas, mandou Shalya dirigir a quadriga em direção a Arjuna.

"Chega de luta", disse Asvatthama a Duryodhana seriamente. "Vamos acabar com esta inimizade desastrosa. Caro amigo, faça as pazes com os Pandavas. Pare a batalha".

"O quê? Você não ouviu as palavras pronunciadas pelo obstinado Bhima que como uma fera caçadora, bebeu sangue humano e dançou sobre o corpo destroçado de meu irmão? Qual conversa de paz pode haver agora? Por que você fala palavras inúteis"! Disse Duryodhana. Ao dizer isso, ordenou uma nova disposição das tropas, e deu o comando para atacar.

Então aconteceu uma grande batalha. O filho de Surya disparou uma flecha ardente, que pegou fogo em direção a Arjuna, como uma serpente com sua língua bifurcada para fora. Então Krishna, o cocheiro de Arjuna, em décimos de segundo, pressionou o veículo para baixo cinco dedos na lama, assim o projétil serpente errou a cabeça de Arjuna e atingiu seu elmo! Arjuna ficou vermelho de vergonha e ira, e pôs um dardo em seu arco para acabar com Karna.

E a hora fatal de Karna chegou, como foi previsto, a roda esquerda de sua quadriga atolou subitamente na lama duma poça de sangue . Ele pulou no chão para levantar a roda do atoleiro.

"Espere um pouco"! Ele gritou. "Minha quadriga atolou no chão. Você é um grande guerreiro, e conhece muito bem dharma, por isso não vai aproveitar a vantagem injusta deste acidente. Vou desatolar meu carro e dar a você todo o combate que quiser".

Arjuna hesitou. Karna agora estava perturbado por causa do incidente. Ele lembrou a maldição que recebeu e novamente apelou para o senso de honra de Arjuna.

Krishna interveio, e exclamou: "Ah, Karna! É bom que você também se lembre de que há coisas como jogo limpo e cavalheirismo! Agora que você está em dificuldade, você se lembra disso. Mas quando você, Duryodhana, Dushasana e Shakuni arrastaram Draupadi para o salão da assembléia e a insultaram, como é que você se esqueceu de tudo isso? Você ajudou seduzir Dharmaputra, que gostava de jogar mas não tinha habilidade para isso, ao jogo onde o enganaram. Onde o seu jogo limpo se escondeu dessa vez? Foi jogo limpo recusar devolver o reino de Yudhisthira depois que a promessa de passar doze anos na floresta e décimo terceiro ano incógnitos foi cumprida? O que aconteceu com o dharma que você apela agora? Você conspirou com os homens perversos que tentaram envenenar e matar Bhima. Você participou do plano para queimar os Pandavas vivos enquanto dormiam no palácio de cera para o qual foram atraídos. O que aconteceu com o seu dharma nessa hora? O que dharma disse a você quando mãos violentas foram postas em Draupadi e você olhava a cena com prazer? Você não zombou dela e disse: 'Seus esposos a abandonaram sem proteção, agora case com outro esposo'? A língua que não teve vergonha de pronunciar essas palavras agora fala sobre cavalheirismo. Cavalheirismo mesmo! Quando uma multidão de vocês cercou Abhimanyu e o mataram sem nenhuma vergonha, isso foi cavalheirismo? Homem perverso, não fale sobre cavalheirismo e jogo limpo, pois você nunca os honrou"!

Quando Krishna o denunciava dessa forma a fim de apressar Arjuna para a ação, Karna abaixou sua cabeça de vergonha e não disse uma palavra. Karna subiu na quadriga silenciosamente e deixou a quadriga atolada na lama, pegou seu arco e disparou uma flecha contra Arjuna tão certeira e com tanta força que o deixaram atordoado por um momento.

Karna aproveitou a pausa ganha, pulou no chão novamente e tentou levantar a roda da quadriga com muita afobação. Mas a maldição era muito forte para ele e a boa fortuna desertou o grande guerreiro.

A roda da quadriga não se movia, apesar dele levantar com toda sua força. Então, ele tentou lembrar os mantras das astras sobrenaturais que aprendeu com Parashurama, mas sua memória falhou na hora da necessidade, como Parashurama predisse.

"Não perca mais tempo, Arjuna", gritou Madhava. "Dispare sua seta e mate seu inimigo perverso".

A mente de Arjuna estava oscilante. Suas mãos hesitaram em fazer o que não era cavalheirismo. Mas quando Krishna disse isso, diz o poeta: "Arjuna obedeceu a ordem do Senhor e disparou uma flecha que cortou e derrubou a cabeça de Radheya".

A culpa desse ato não foi de Arjuna, que era a personificação da nobreza de caráter. Foi o próprio Supremo Senhor que induziu Arjuna a matar Karna, quando tentava desatolar a roda de sua quadriga inutilmente. Segundo o código de honra e das leis da guerra, era inaceitável. Quem poderia suportar a responsabilidade pelas violações de dharma além do próprio Senhor em pessoa? É uma esperança inútil achar que o mal pode ser erradicado pela violência física e guerra. A batalha pelo certo, conduzida pela força física conduz a muitos erros, e no resultado final, adharma aumenta.

 

Capítulo 92

Duryodhana

Quando Duryodhana assistiu a morte de Karna, sua angústia não teve limites. Kripacharya ficou muito comovido com a angústia no coração de Duryodhana, e disse: "Movidos pela ambição e cobiça colocamos fardos pesados em nossos amigos. Eles suportaram sem reclamar, deixaram suas vidas no campo de batalha e alcançaram as regiões superiores de felicidade. Só há um curso que resta a você para fazer as pazes com os Pandavas. Ó rei, não continue esta luta ruinosa".

Mesmo no momento de desespero, Duryodhana não gostou desse conselho. "Talvez, teve um momento para isso, mas passou faz tempo. Que conversa pode haver com os Pandavas e nós com todo esse sangue irreparável entre nós, o sangue dos nossos mais queridos e dos deles? Se eu me render para escapar da morte, como poderei escapar do desprezo do mundo? Qual felicidade posso esperar numa vida salva de forma tão vergonhosa? E qual prazer posso encontrar na soberania, assegurada depois que meus irmãos e parentes foram mortos"?

Essas palavras de Duryodhana foram bastante aclamadas pelos outros. Eles apoiaram sua posição, escolheram Shalya e o nomearam como seu comandante supremo. Shalya tinha muito força física e era bravo como qualquer outro dos guerreiros que foram mortos. O exército foi organizado sob seu comando e a batalha foi travada violentamente. No lado dos Pandavas, Yudhisthira agora liderou pessoalmente o ataque contra Shalya. Todos ficaram espantados em ver como o homem que até então era a encarnação da gentileza, lutou com tanta fúria.

A batalha foi equilibrada por um longo tempo, até que Yudhisthira arremessou sua lança contra Shalya que foi certeira e o atingiu. Como um grande mastro de bandeira no fim duma função festiva, o corpo de Shalya caiu morto no chão, vermelho de sangue.

Quando Shalya, o último dos grandes generais, caiu morto, o exército Kaurava perdeu toda esperança. Entretanto, os filhos sobreviventes de Dhritarastra se juntaram e atacaram Bhima por todos os lados. Ele matou todos eles. O filho de Vayu nutriu sua ira ardente por treze anos desde que Draupadi foi insultada no salão da assembléia. Ele disse consigo mesmo: "Eu não vivi em vão, mas Duryodhana ainda vive", e deu uma risada horripilante.

Shakuni liderou um ataque contra a divisão de Sahadeva. Depois de pouco tempo, Sahadeva disparou uma flecha com borda afiada de espada, e disse: "Imbecil, aqui está a recompensa pelo seu grande pecado". Ela foi direto e cortou o pescoço de Shakuni como uma espada. E a cabeça, que foi a raiz de todos maus feitos dos Kauravas, rolou no chão.

Sem liderança, o exército destruído e quebrado dispersou em todas direções, e foi perseguido e morto até o último homem pelos vitoriosos exultados.

"Ó Bharata! Assim, seu exército com onze akshauhinis foi destruído totalmente, dos milhares de reis, que abraçaram sua causa por orgulho e poder, só Duryodhana pode ser visto no campo de batalha, cambaleante e dolorido com feridas", disse Sanjaya, para descrever a calamidade ao rei cego.

Depois de fazer tudo, em vão, para reunir seu exército derrotado, Duryodhana, largado quase sozinho, pegou sua maça e foi para um tanque de água. Toda sua estrutura queimava como fogo, e a água o atraiu. "O sábio Vidura sabia o que aconteceria e nos disse", disse ele consigo mesmo, enquanto entrava na água.

De que vale a sabedoria que chega tarde demais? O que foi feito tem que produzir seu resultado que tem de ser sofrido. Assim é a lei. Yudhisthira e seus irmãos chegaram lá impiedosamente, na perseguição de seu grande inimigo.

Yudhisthira exclamou: "Duryodhana! Depois de destruir a família e a tribo, você escapa da morte ao se esconder nesse tanque? Onde está o seu orgulho agora? Você não tem vergonha? Venha e lute. Um kshatriya de nascimento, você foge da luta e da morte"?

Ferido profundamente com essas palavras, Duryodhana respondeu com dignidade: "Dharmaputra, eu não vim aqui como um fugitivo por minha vida. Não foi o medo que me trouxe aqui. Eu entrei na água para refrescar o fogo que queima dentro de mim. Eu não temo a morte nem desejo viver, mas por que devo lutar? Não há nada na Terra que sobrou para eu lutar! Todos aqueles que ficaram do meu lado foram mortos. Meu desejo por um reino se foi. Eu deixo o mundo para você sem rival. Aproveite-o com soberania sem disputa".

Yudhisthira respondeu: "Agora, você é muito generoso, especialmente depois de dizer que não nos daria nem uma ponta de agulha de terra. Quando imploramos pela paz e suplicamos a você para nos dar um pedaço, você rejeitou nossa proposta. Agora, você diz que podemos ficar com tudo. Não é por reinado ou terra que lutamos. Será que preciso relembrar seus pecados? As injúrias que nos infligiu, e o ultraje que cometeu contra Draupadi, não podem ser expiados senão com sua vida".

Sanjaya, que relatava os eventos ao velho rei cego, agora disse: "Quando seu filho Duryodhana ouviu essas duras e cruéis palavras faladas por Dharmaputra, imediatamente saiu da água, com a maça na mão".

O desafortunado Duryodhana saltou do tanque, e disse: "Venham, um por um, todos vocês, pois estou sozinho. Com certeza, vocês cinco não vão se juntar e me atacar que estou sozinho, sem armadura, exausto e ferido por todo o corpo".

Yudhisthira respondeu de pressa: "Se é mesmo errado vários se juntarem e atacarem uma única pessoa, faça o favor de nos dizer como Abhimanyu foi atacado e morto? Você não permitiu que muitos combinados atacassem o rapaz, que estava sozinho no meio da sua multidão? Sim, quando homens encaram o infortúnio, eles enxergam e pregam dharma e cavalheirismo para os outros. Ponha a sua armadura, escolha qualquer um de nós que preferir para lutar. Morra e vá para swarga ou vença e seja rei".

De acordo, o combate começou entre Bhima e Duryodhana. Faíscas de fogo saíam quando suas maças colidiam. Duryodhana e Bhima eram iguais em força e habilidade, e o combate continuou por um longo tempo, e o resultado estava duvidoso. Aqueles, que assistiam, discutiam sobre quem venceria. Krishna disse para Arjuna que Bhima cumpriria a promessa que jurou no salão da assembléia, e quebraria as coxas de Duryodhana. Bhima ouviu isso, e nesse mesmo momento, a memória do grande insulto veio vívida em sua mente.

Ele saltou como um leão, golpeou com sua maça as coxas de Duryodhana que quebraram e Duryodhana caiu pesado no chão, ferido de morte.

Bhima pulou em cima do corpo prostrado de seu inimigo, pisou em sua cabeça com seu pé pesado e dançou uma dança aterradora.

Dharmaputra gritou: "Pare Bhima! Você pagou sua dívida. Duryodhana é um príncipe e um primo. Não é certo que você pise em sua cabeça".

Krishna disse; "Logo, a alma desse homem perverso partirá do corpo. Filhos de Pandu, Duryodhana e seus amigos foram mortos. Por que ficar aqui? Subam em suas quadrigas".

Quando Krishna disse isso, a face do caído Duryodhana brilhou como o fogo ardente de ira e ódio. Ele virou seus olhos em direção a Krishna, e disse:

"Você tramou a morte de vários guerreiros com trapaças baixas, eles que lutaram bravamente de acordo com as leis da guerra. Você nem sonharia com a vitória numa luta limpa contra Karna ou Bhisma ou Drona. Você não tem nem uma fagulha de vergonha que resta"?

Mesmo quando morria, Duryodhana não se arrependeu de tudo que fez.

Krishna disse: "Duryodhana, você acusa os outros em vão. Ambição e orgulho do poder levaram você a fazer inúmeros atos perversos e você colhe aquilo que plantou".

Duryodhana respondeu: "Desgraçado! Na minha vida, fui um príncipe grandioso, amigo generoso, e um terrível inimigo. Todos os prazeres humanos, assim como os prazeres que os reis desejam em vão, e mesmo os deuses não desprezam, foram meus, em toda sua plenitude. A morte dum guerreiro é a coroa adequada de tal vida. Ao morrer, irei triunfante para swarga e me juntarei a meus amigos e irmãos que já foram para lá, e esperam para me darem as boas vindas. Vocês ficam aqui em baixo, com seus súditos derrotados e vocês mesmos como o objeto de desprezo de todos kshatriyas. Não me importo se Bhima botou seu pé na minha cabeça enquanto eu estava indefeso no chão com as pernas quebradas. Por que me preocupar? Em alguns minutos a mais, os corvos e abutres não porão seus pés na minha cabeça"?

Quando Duryodhana disse isso, choveu flores do céu jogadas pelos deuses. O desejo desenfreado levou Duryodhana para o caminho errado, o que gerou ira e muitas violações de dharma. Mas ninguém podia questionar o espírito inconquistável do filho de Dhritarastra.

 

Capítulo 93

Os Pandavas Repreendidos

Quando a guerra estava perto do seu fim, Balarama chegou em Kurukshetra depois de completar sua peregrinação pelos locais sagrados. Ele chegou logo quando Bhima e Duryodhana travavam seu último combate mortal. Ele viu Bhima desferir o golpe mortal que quebrou as coxas de Duryodhana, e Sua ira ardeu com essa grande violação das regras do combate individual.

"Vergonha para todos vocês! Será que algum kshatriya golpearia abaixo do umbigo? Esse Bhima ofendeu a lei da forma mais desgraçada", Ele exclamou, foi aborrecido até Seu irmão Krishna, e gritou:

"Você pode olhar e tolerar tudo isso. Mas Eu não suporto ver tal luta suja"! Ao dizer isso, Ele avançou em direção ao ofensor Bhima com Seu arado levantado. O arado era a arma de Balarama em ocasiões extremas, como o disco era a de Krishna. Krishna ficou alarmado quando viu Seu irmão avançar com paixão em direção a Bhima.

Ele correu e O impediu, e disse: "Os Pandavas são nosso amigos e parentes próximos. Eles foram vítimas de injúrias insuportáveis pelas mãos de Duryodhana. Quando Draupadi foi insultada no salão da assembléia, Bhima jurou: 'Um dia em batalha, eu quebrarei as duas coxas de Duryodhana com minha maça e o matarei'. Ele fez esse juramento solene nesse momento e todos sabiam disso. É dever dum kshatriya cumprir o juramento que fez solenemente. Não deixe que Sua ira O desvie e não seja injusto com os Pandavas inocentes. Antes de condenar Bhima, Você deve considerar todas as injúrias que os Kauravas infligiram aos Pandavas. Nada além do erro pode resultar se a pessoa proceder um julgamento de conduta sem levar em conta a cadeia de eventos que levaram a isso. Você não pode pegar um ato particular fora do contexto e proceder para dar julgamento apenas sobre ele sem cometer uma injustiça grosseira. A era de Kali começou, quando as leis de outras eras não se aplicam mais. Não foi errado Bhima golpear abaixo do umbigo um inimigo que conspirou perversamente contra sua vida em muitas ocasiões. Foi por causa da ordem vil de Duryodhana que Karna disparou uma flecha pelas costas de Abhimanyu e quebrou a corda de seu arco enquanto ele se defendia contra ataques pesados. O jovem filho de Arjuna foi atacado por inúmeros guerreiros que o cercaram, quando estava sozinho no campo, sem arco nem quadriga, e eles o mataram de uma forma muito covarde. Duryodhana tinha mentalidade perversa e praticou a fraude desde a hora que nasceu e causou a destruição de sua gente. Não é nenhum pecado Bhima matar esse homem. Bhima tolerou todas injúrias e manteve sua ira dentro de si mesmo por treze longos anos. Duryodhana sabia muito bem que Bhima tinha jurado quebrar suas coxas e matá-lo. Quando desafiou os Pandavas magoados para o combate, ele sabia muito bem que convidou Bhima para cumprir seu juramento. Como Você pode achar que foi errado Bhima fazer isso"?

As palavras de Krishna não mudaram a opinião de Balarama, mas Sua raiva se acalmou. "Duryodhana alcançará as regiões de felicidade reservadas para os bravos. A fama de Bhima foi manchada para sempre. Será dito por toda humanidade que o filho de Pandu violou as leis da guerra quando atacou Duryodhana. Isso ficará para sempre como uma grande mancha no seu bom nome. Eu detesto ficar aqui mais". Ao dizer isso, o indignado Balarama partiu imediatamente para Dwaraka.

Krishna perguntou: "Yudhisthira, por que esse silêncio estranho"?

"Ó Madhava, doeu muito ver Bhima pular no corpo do primo Duryodhana ferido mortalmente e pisar na sua cabeça, eu vejo o fim da glória de nossa dinastia. Fomos injuriados pelos Kauravas. Eu sei o tamanho da mágoa e ira no coração de Vrikodara, e não quero culpá-lo além da razão. Nós matamos Duryodhana, que estava afetado por ambição desenfreada e pobreza de entendimento. De que adianta agora debater sobre ética ou ponderar muito bem sobre a adequação das mais erradas vinganças duma pessoa"?

Yudhisthira estava muito deprimido. Quando as pessoas transgridem as leis, extenuações e desculpas não têm serventia para dar satisfação mental.

Arjuna, de intelecto aguçado, estava silencioso. Ele não aprovava o ato de Bhima. Nem disse nada para depreciar. Os outros guerreiros que estavam lá, entretanto, condenavam em voz alta Duryodhana, e lembravam um ao outro de todas suas perversidades e erros. Krishna se dirigiu a eles e disse:

"Guerreiros, não é certo falar contra um inimigo que foi derrotado e está ferido mortalmente. Não devemos falar mal duma pessoa moribunda. Ele era estúpido e causou seu próprio fim. Ele caiu na companhia de homens maus e se arruinou. Vamos embora".

Duryodhana, deitado no chão em extrema agonia, quando ouviu Krishna falar assim, entrou no apogeu da raiva. Ele quase se levantou apoiado com seus braços, apesar da dor intensa, e exclamou:

"Desgraçado! Filho dum escravo! Seu pai Vasudeva não era escravo de Kamsa? Você não merece Se sentar ou Se mover entre príncipes. Você fala como um patife sem vergonha. Eu vi você instigar Bhima a golpear minha coxa! Pensa que não vi Você, que fingiu falar com Arjuna casualmente, apontar Sua coxa, mas para na verdade indicar a Bhima que deveria me golpear nas coxas, com desprezo às leis de combate individual? Até então o combate estava equilibrado. Você não tem piedade nem vergonha. Você não tramou a morte de Bhisma com estratégia? Você aconselhou que Shikhandi fosse colocado na frente do ataque contra Bhisma, pois sabia que o patriarca se recusaria a atacar uma mulher, e deixaria ser mortalmente ferido sem resistência. Você causou a morte de Dronacharya ao fazer Dharmaputra pronunciar uma mentira. Você foi o pai da mentira mortal que saiu da boca de Yudhisthira, e fez Drona jogar seu arco de lado. Você não olhou sem protestar, e regozijou, quando o vil Dristadyumna atacou e matou o acharya que parou de lutar, jogou suas armas de lado e sentou em postura de yoga para meditar no Supremo? Não foi Você que tramou para forçar Karna atirar a lança fatal contra Ghatotkacha em vez de reservá-la para Arjuna como tinha planejado há muito tempo? Ó grande pecador, com certeza foi Você que instigou Satyaki a assassinar Bhurishrava quando seu braço direito foi decepado, ele parou de lutar e espalhou suas flechas para sentar em meditação sagrada. Você que causou a morte de Karna por induzir Arjuna a atacar Karna de forma covarde quando ele tentava desatolar sua quadriga da lama no campo de batalha. Ó homem indigno, que é a única causa da nossa destruição, o mundo inteiro condenou Seu ato de feitiçaria quando fez parecer que o Sol se pôs. Você fez Jayadratha, o rei de Sindhu, acreditar que o dia acabou e o perigo passou, e assim ele foi morto quando estava com a guarda baixa".

Assim Duryodhana despejou suas denúncias contra Krishna, e depois, exausto pela dor de seus ferimentos e a violência de sua raiva, caiu prostrado novamente.

Krishna disse: "Filho de Gandhari, por que você deixa sua ira aumentar a dor de seus últimos momentos? Foram seus próprios erros que causaram o seu fim. Não ponha a culpa em mim. Bhisma e Drona morreram por causa dos seus pecados. Assim também você foi a causa da morte de Karna e dos outros. Será que tenho de recordar todas as injúrias contra os filhos de Pandu que você foi o culpado? Qual punição pode ser severa demais para o grande ultraje que você infligiu a Draupadi? As animosidades e paixões que resultaram de seus atos perversos não podem ser base para a condenação de outros. Todos os enganos e lapsos que você nos acusa, fomos forçados a fazer por causa de sua conduta perversa. Você pagou no campo de batalha a dívida contraída por sua ambição. Mas você tem a morte dos homens bravos. Você irá para as regiões de felicidade reservadas para kshatriyas que deixam suas vidas no campo de batalha".

"Krishna, eu vou para swarga com meus amigos e parentes. Mas Você e Seus amigos ficarão na Terra para sofrer", disse o teimoso Duryodhana. "Eu estudei os Vedas. Eu dei os presentes ordenados pela lei, e fui o soberano supremo que governou toda a Terra banhada com seus oceanos. Enquanto vivi, pisei sobre as cabeças de todos inimigos humilhados. Todos prazeres humanos, mesmo os prazeres que os deuses não desprezam e os reis procuram em vão, o próprio acme do poder, foi tudo meu. Ao morrer agora, esta morte que os guerreiros almejam é a coroação da vida kshatriya, vou encontrar no céu meus amigos e irmãos que já foram, ansiosos em me receberem. Quem é mais abençoado, eu ou Você, condenado a permanecer aqui, em luto pelos amigos mortos em lares desolados, e encontra o longo sonhado triunfo mas com cinzas na boca"? disse Duryodhana. E os deuses jogaram flores sobre o guerreiro moribundo, os gandharvas tocaram música e o céu ficou iluminado. Vasudeva e os Pandavas se sentiram insignificantes.

Krishna disse: "É verdade o que Duryodhana disse. Vocês não poderiam derrotá-lo de forma limpa. Esse homem perverso era invencível em batalha".

 

Capítulo 94

Asvatthama

Quando Asvatthama ouviu como Duryodhana estava deitado mortalmente ferido, e soube dos detalhes do combate, sua ira justa cresceu como o mar. A trapaça praticada pelos Pandavas para causar o fim de seu pai, ecoava em sua mente.

Agora, quando ouviu que Duryodhana foi golpeado mortalmente contra todas as regras de cavalheirismo, foi até o local onde Duryodhana estava deitado e fez um juramento que ia mandar os Pandavas para a morada de Yama naquela noite.

Duryodhana, que agonizava em seus últimos momentos de vida, ficou tomado de alegria quando ouviu Asvatthama fazer esse juramento. Ele imediatamente ordenou para os que estavam perto dele para Asvatthama ser nomeado como comandante supremo do exército com as devidas formalidades, e assim foi feito, ele disse: "Todas as minhas esperanças estão em você".

Era o pôr-do-sol e na floresta escura, Kripacharya, Kritavarma e Asvatthama pararam para descansar em baixo duma grande árvore asvattha. Eles estavam tão fatigados que caíram no sono logo que deitaram.

Mas Asvatthama não dormiu, por causa da angústia, indignação e ódio dentro de si. Ele ouvia os sons que os pássaros e animais noturnos faziam à medida que a noite avançava. Ele planejava em sua mente como executaria a promessa para Duryodhana.

Havia centenas de corvos empoleirados nos galhos da árvore asvattha onde eles descansavam. Todos estavam quietos e dormiam, até que uma grande coruja veio e começou a atacar os pássaros, um depois do outro, e matá-los. Quando Asvatthama viu o pássaro de rapina noturno dilacerar os corvos indefesos, teve uma idéia. Os corvos que não podiam enxergar à noite e voavam em círculos desnorteados eram vítimas fáceis da coruja que os atacava violentamente.

"Esses Pandavas traiçoeiros e o Panchala que mataram meu pai e todos os seus colaboradores podem ser mortos facilmente por nós, se os surpreendermos enquanto dormem em suas tendas à noite da mesma forma como essa coruja ataca os corvos que não enxergam à noite. Assim poderei vingar os atos de luta suja que praticaram conosco. Sou profundamente grato a esse pássaro de rapina de quem recebi o ensinamento. Não é ofensa adotar planos que se adaptem a circunstâncias adversas. Se podemos atacar um inimigo legalmente quando seu exército está cansado ou quando suas tropas estão dispersas, por que não podemos atacar o inimigo que dorme, depois que perdemos nossos exércitos? Não pode haver nada de errado nisso. É só assim que poderemos punir e derrotar esses Pandavas que conseguiram o sucesso com luta suja. Não temos nenhum outro curso aberto".

Asvatthama se convenceu e imediatamente acordou Kripacharya, e lhe contou seu plano. Kripacharya quando ouviu, ficou horrorizado.

Ele disse: "Não pode ser. É totalmente errado. Atacar homens que se retiraram para dormir, nunca foi feito antes. Seria um crime sem precedentes contra as leis de conduta kshatriya. Asvatthama, por quem lutamos? O homem por cuja causa nos juntamos nesta guerra foi ferido mortalmente e seu fim chegou. Nós cumprimos nossas obrigações com toda lealdade. Nós lutamos da melhor forma pela ambição e perversidade de Duryodhana mas falhamos irremediavelmente. Não há mais sentido em continuarmos a lutar e é uma grande tolice fazer isso. Vamos até Dhritarastra e a imaculada Gandhari, e ficar à disposição deles. Vamos tomar o conselho do sábio Vidura também. Eles nos dirão o que resta para nós fazermos".

Quando Kripacharya falou assim, a angústia e a indignação de Asvatthama aumentaram, e ele falou com amargura:

"Todo mundo tem certeza do que pensa é a única coisa certa e adequada para ser feita. O entendimento próprio limita naturalmente a visão da pessoa. Esses Pandavas são culpados da conduta mais traiçoeira. Eles mataram meu nobre e fiel pai com uma mentira. Eles mataram Duryodhana contra as leis de cavalheirismo. Não tenho dúvida que meu plano proposto é uma vingança bem adequada contra esses trapaceiros. Somente se eu executar esse plano é que poderei pagar minha dívida com o rei e com meu pai. Eu já decidi e não vou alterar meu plano. Eu irei hoje à noite até as tendas onde eles dormem depois de tirarem suas armaduras, e matarei os Pandavas junto com Dristadyumna enquanto eles dormem".

Kripacharya ficou muito deprimido ao ouvir Asvatthama falar assim, ele implorou: "Você conquistou renome entre os bravos. Seu caráter imaculado será manchado com isso, da mesma forma que um pano branco como o leite manchado de sangue. Nunca será certo matar homens que dormem. Desista disso".

"Senhor, o que você diz? Esses Pandavas assassinaram meu pai depois que pôs suas armas de lado e sentou para rezar. Esses homens romperam a barragem de dharma e liberaram a inundação, e agora, não sobrou nenhuma gota de dharma! Karna, que estava no chão para desatolar a roda de sua quadriga, foi assassinado por esses desgraçados criminosos. Bhima matou Duryodhana com um golpe abaixo do umbigo. Que dharma restou para seguirmos? Esses Pandavas destruíram para sempre o muro de dharma. Por que devemos apelar à lei e cavalheirismo para lidar com esses bandidos que tiveram sucesso com a destruição de ambos? Se por matar os Panchalas adormecidos, que assassinaram meu pai, eu seja condenado a nascer no corpo dum pássaro odioso ou um verme rastejante, não me importo. Eu quero esse nascimento"!

Ao dizer isso, sem esperar resposta, Asvatthama foi atrelar seus cavalos e aprontar sua quadriga. Quando estava pronto para partir, Kripacharya e Kritavarma gritaram: "Pare! O que você vai fazer, Asvatthama? Não podemos aprovar, nem podemos desertá-lo em seu empreendimento desesperado. O caminho que você quer traçar, nós também temos que seguir. O pecado que você resolveu cometer, nós também temos que compartilhar". Assim, eles foram com ele. Assim que a maldade cresce! Uma transgressão gera a próxima, e assim a maldade cresce com a maldade que afunda a justiça. A maldade surge com a retaliação.

Eles chegaram no acampamento dos Pandavas. Dristadyumna estava sem sua armadura e dormia profundamente em sua tenda. Asvatthama saltou no guerreiro que dormia, e antes que pudesse se defender, ele o matou cruelmente.

O mesmo processo foi repetido sem nenhuma piedade até que todos Panchalas e todos filhos de Draupadi fossem mortos um a um enquanto dormiam profundamente em suas tendas.

Depois de fazerem isso, que nunca foi visto antes e que nunca foi considerado possível entre kshatriyas, Kripacharya, Kritavarma e Asvatthama saíram das tendas e atearam fogo no acampamento. Quando o fogo propagou, os soldados que dormiam, acordaram e correram para todos os lados desorientados, da mesma forma como os corvos na árvore asvattha onde descansavam na floresta, e foram mortos sem pena por Asvatthama.

"Cumprimos nosso dever", disse o filho de Dronacharya. "Vamos dar a boa notícia para Duryodhana, se pudermos alcançá-lo antes que ele morra. Que ele morra feliz".

De acordo, os três então correram até Duryodhana.

 

Capítulo 95

Vingança Cumprida

"Ó Duryodhana, você ainda está vivo! Ouça a notícia e comemore! Todos os Panchalas foram mortos. Os filhos dos Pandavas também foram todos mandados para a morte. Todo o exército deles foi destruído. Nós fizemos um ataque noturno contra eles enquanto dormiam. Só há sete sobreviventes no lado deles agora. E no nosso lado, Kripacharya, Kritavarma e eu permanecemos".

Assim falou Asvatthama ao moribundo Duryodhana, que depois de ouvir essas palavras, abriu seus olhos vagarosamente, e com a respiração difícil, falou ofegante:

"Asvatthama, você fez realmente por mim o que nem o grande Bhisma nem o valente Karna conseguiram!". Ao dizer isso, Duryodhana morreu.

Srimad Bhagavatam Primeiro Canto, Capítulo Sete "O Castigo do Filho de Drona" (Bhag. 1.7.13-14):

"Quando os respectivos guerreiros de ambos exércitos, Kaurava e Pandava, foram mortos no campo de batalha em Kurukshetra e os guerreiros mortos alcançaram seus destinos merecidos, e quando o filho de Dhritarastra caiu desolado, com seu esqueleto quebrado pela maça de Bhimasena, o filho de Dronacharya (Asvatthama) decapitou os cinco filhos de Draupadi que dormiam e deu as cabeças como prêmio a seu senhor, por achar estupidamente que ele ficaria satisfeito. Duryodhana entretanto desaprovou o ato hediondo de Asvatthama, e não ficou nem um pouco satisfeito".

Iluminação de Srila Prabhupada:
"Os temas das atividades transcendentais do Senhor Sri Krishna no Srimad Bhagavatam começam a partir do fim da batalha de Kurukshetra, o Senhor falou pessoalmente sobre Si mesmo no Bhagavad-gita. Por isso, ambos Bhagavad-gita e Srimad Bhagavatam são temas transcendentais sobre o Senhor Krishna. O Gita é krsna-katha, ou tema sobre Krishna, porque foi falado pelo Senhor pessoalmente, o Bhagavatam também é krsna-katha porque fala sobre o Senhor. O Senhor Sri Chaitanya Mahaprabhu queria que todos fossem informados sobre ambos krsna-kathas com Sua ordem. O Senhor Krishna Chaitanya é o próprio Krishna em pessoa no disfarce dum Devoto de Krishna, e por isso as versões tanto do Senhor Krishna como de Sri Krishna Chaitanya Mahaprabhu são idênticas. O Senhor Chaitanya queria que todos nascidos na Índia compreendessem seriamente esses krsna-kathas e depois da realização plena, pregassem a mensagem transcendental para todos em todas as partes do mundo. Assim, acontecerá realmente a paz e a prosperidade desejadas neste mundo aflito".

Quando viu a destruição inesperada de seu exército, como resultado dum ataque durante o sono, Yudhisthira deu vazão à sua angústia e desabafou:

"No momento da vitória, fomos derrotados totalmente. O derrotado triunfou mesmo. Os filhos de Draupadi, que sobreviveram ao ataque do formidável Karna, foram massacrados e destruídos como vermes devido à nossa desatenção. Nós nos deixamos destruir como um navio mercante que atravessa oceanos com sucesso e quando volta para casa, naufraga num redemoinho e afunda".

Draupadi estava desolada com uma tristeza inconsolável. Ela veio para o lado de Dharmaputra e chorou. "Será que tem alguém para vingar o assassinato de meus filhos, e destruir esse grande pecador Asvatthama"? Gritou ela.

Quando disse isso, os Pandavas partiram imediatamente à procura do assassino. Eles procuraram por ele em todo tipo de lugar, e por último o encontraram na margem do Ganges escondido atrás de Vyasa.

Quando viu os Pandavas e Janardhana perto, Asvatthama em silêncio pegou uma folha de grama, carregou-a com o mantra da destruição e disparou-a ao dizer: "Que você destrua a raça dos Pandavas". E ela foi direto para o ventre de Uttará que carregava em seu útero o filho de Abhimanyu.

A raça dos Pandavas teria sido destruída mesmo se não fosse a intervenção de Sri Krishna, que salvou o bebê no ventre da mãe. A criança era Parikshit que foi coroado por Yudhisthira mais tarde quando os Pandavas se retiraram para a floresta.

(Recomendamos mais uma vez a leitura do Srimad Bhagavatam de Sua Divina Graça Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja Prabhupada, Primeiro Canto, Capítulo Sete, "O Castigo do Filho de Drona").

Sri Krishna disse para Arjuna: "Asvatthama lançou a brahmastra e não sabe retrair o efeito arrasador. Somente outra brahmastra poderá neutralizar essa arma. Você que é mestre na ciência militar, lance sua própria arma para neutralizar o efeito dessa".

Arjuna então tocou a água para se purificar, deu a volta ao redor do Senhor Krishna, e lançou sua brahmastra para interceptar a outra. Quando as duas armas colidiram, o calor gerado era como o brilho do Sol, e esquentou todos os três mundos. Os habitantes do sistema planetário superior lembraram o fogo devastador do Senhor Rudra no momento da dissolução cósmica. Arjuna retraiu imediatamente as duas armas devastadoras como o Senhor ordenou.

Arjuna, com os olhos vermelhos de raiva, amarrou o filho de Drona como se fosse um animal e queria levá-lo para o acampamento militar. Krishna queria que Arjuna matasse o agressor imediatamente, mas Arjuna, com sua natureza divina, não pôde fazer isso. Asvatthama foi levado para o acampamento onde ficou na frente de Draupadi. Ela também, por sua vez, devido à sua natureza divina, não pôde punir o assassino de seus filhos, e em vez disso, Draupadi prestou os devidos respeitos ao filho de brâmane. Depois de muitas considerações e das instruções de Sri Krishna, Arjuna entendeu a mensagem do Senhor, sacou sua espada e cortou o cabelo e a jóia da cabeça de Asvatthama.

Asvatthama já tinha perdido seu brilho corpóreo devido a seu grande pecado de matar crianças que dormiam e agora diminuiu mais ainda. Assim foi desamarrado e expulso do acampamento.

Cortar o cabelo, privá-lo de sua riqueza e expulsá-lo da residência foi a devida punição para o parente dum brâmane.

Bhima pegou a grande jóia de Asvatthama, foi até Draupadi, e disse: "Anjo de pureza imaculada, isto é para você. O homem que matou seus filhos amados foi aniquilado. Duryodhana foi destruído. Eu bebi o sangue de Dushasana. Eu vinguei o grande ultraje e quitei minhas dívidas".

Draupadi pegou a jóia, foi até Yudhisthira, prostrou-se, e disse: "Rei imaculado, você que deve usá-la em sua própria coroa".

Depois, os filhos de Pandu e Draupadi, desolados, fizeram os rituais funerais para seus parentes mortos.

 

Capítulo 96

Quem Pode Consolar?

Quando a batalha acabou, Hastinapura era uma cidade em luto. Todas mulheres e crianças choravam e lamentavam a morte de seus mais queridos e próximos. Com milhares de mulheres em luto em sua companhia, Dhritarastra foi até o campo de batalha. Kurukshetra era um cenário de destruição terrível, o velho rei cego pensou em tudo que aconteceu e chorou alto. Mas, de que adiantava chorar?

"Ó rei, palavras de consolo dirigidas a uma pessoa em luto não removem sua angústia. Milhares de reis deram suas vidas na batalha por seus filhos. Agora é hora de preparar as cerimônias funerais adequadas para os mortos", disse Sanjaya a Dhritarastra.

"Não é certo lamentar por aqueles que morreram em batalha. Quando a alma deixa o corpo, não há nada como relação, nada como irmão ou filho ou parente. Na verdade, seus filhos não têm nenhuma relação com você. A relação acaba com a morte, pois é só uma conexão corpórea e um mero acidente insignificante na vida eterna da alma. As vidas vêm do nada, e com a morte, novamente desaparecem no nada. Por que você tem que chorar por eles? Aqueles que morrem em batalha depois duma luta heróica vão como convidados para receberem a hospitalidade de Indra. Ao lamentar pelo que é passado, você não pode ganhar nada na natureza de dharma, prazer ou riqueza". Assim, e de muitas outras formas, o sábio e virtuoso Vidura tentou aliviar a angústia do rei.

Vyasa também repreendeu Dhritarastra afetuosamente e disse: "Querido filho, não há nada que você não saiba e que você tem que aprender comigo. Você sabe muito bem que todos seres vivos têm que morrer. Essa grande batalha veio para reduzir a carga pesada da Terra, como eu ouvi do próprio Senhor Vishnu. Foi por isso que essa calamidade não pôde ser impedida. Daqui em diante, Yudhisthira é seu filho. Você deve tentar amá-lo e dessa forma, suportar o fardo da vida por abandonar a angústia".

Yudhisthira abriu seu caminho na multidão de mulheres que choravam, aproximou-se de Dhritarastra e se prostrou perante ele. Dhritarastra abraçou Yudhisthira, mas não havia amor naquele abraço.

Então, Bhimasena foi anunciado ao rei cego. "Venha", disse Dhritarastra.

Mas Vasudeva era sábio. Ele empurrou Bhima para o lado suavemente e colocou uma estátua dum guerreiro de ferro na frente do cego Dhritarastra, pois sabia da extrema ira do velho rei. Dhritarastra puxou a estátua de metal para seu peito e deu um abraço firme, então o pensamento veio à sua mente de como aquele homem matou todos seus filhos. E sua ira foi tanta que a estátua espatifou em pedaços com a força de seu abraço.

"Ah! Minha ira me enganou"! Gritou Dhritarastra. "Eu matei meu querido Bhima".

Então Krishna disse ao rei cego:

"Senhor, Eu sabia que isso aconteceria por isso impedi o desastre. Você não matou Bhimasena. Você espatifou uma estátua de ferro que coloquei na sua frente. Que sua ira acalme com o que você fez com essa imagem. Bhima ainda está vivo".

O rei se recompôs e abençoou Bhima e os outros Pandavas, que então se despediram e foram até Gandhari.

Vyasa estava com Gandhari. O rishi disse: "Ó rainha, não tenha raiva dos Pandavas. Você não disse a eles quando a batalha começou: 'Onde está dharma, com certeza estará a vitória'? E assim aconteceu. Não é certo deixar a mente habitar no que é passado, e nutrir sua própria ira. Agora você deve convocar sua grande firmeza para ajudá-la".

Gandhari disse: "Bhagavan, não invejo a vitória dos Pandavas. É verdade que o pesar pela morte de meus filhos roubou meu entendimento. Esses Pandavas também são meus filhos. Eu sei que Dushasana e Shakuni causaram a destruição da nossa gente. Arjuna e Bhima não têm culpa. O orgulho causou essa batalha e meus filhos mereceram o destino que encontraram. Eu não reclamo disso. Mas, na presença de Vasudeva, quando Bhima chamou Duryodhana para o combate e lutaram. Sabia que Duryodhana era mais forte e não podia derrotá-lo num combate individual. Bhima o golpeou abaixo do umbigo e o matou. Vasudeva viu tudo. Isso foi errado e é isso que acho impossível de perdoar".

Bhima que ouviu isso, aproximou-se, e disse: "Mãe, fiz isso para salvar minha vida na batalha. Se foi certo ou errado, você tem que me perdoar. Seu filho era invencível em combate por isso agi para minha proteção pessoal e estava muito errado. Ele chamou Yudhisthira para jogar e o enganou. Nós fomos injuriados pelo seu filho de muitas formas. Ele não devolveu o reino, do qual se apossou ilegalmente. E você sabe o que seu filho fez à imaculada Draupadi. Se tivéssemos matado seu filho na hora, quando agiu errado no salão da assembléia, certamente não nos culparia. Atados pela promessa de Dharmaputra, contemo-nos com muita dificuldade até então. Desde então, nós quitamos o débito com a honra e encontramos satisfação na batalha. Mãe, você tem que me perdoar".

"Querido filho, se você tivesse deixado pelo menos um de nossos cem filhos e matado o resto para a satisfação de sua ira, eu e meu velho esposo teríamos algum consolo com esse filho sobrevivente para o resto de nossas vidas. Onde está Dharmaputra? Chame-o". Disse ela.

Ao ouvir isso, Yudhisthira tremeu enquanto se aproximava de Gandhari com as mãos postas. Os olhos dela eram vendados com um pano durante toda sua vida como penitência fiel à cegueira de seu marido. Ele se prostrou perante ela e disse suavemente:

"Rainha, o cruel Yudhisthira, que matou todos seus filhos, está na sua frente pronto para ser amaldiçoado. Amaldiçoe-me que cometi esse grande pecado. Não me importo com a vida ou com o reino". Ao dizer isso, caiu no chão e tocou nos pés dela.

Gandhari deu um profundo suspiro e ficou muda. Ela virou sua cabeça para o lado, pois sabia que se visse através do pano que a vendava, sua visão cairia sobre o prostrado Yudhisthira e ele seria reduzido a cinzas imediatamente. Mas por uma pequena brecha no pano, mesmo quando virou a cabeça, seus olhos caíram no dedo do pé do prostrado Yudhisthira. Imediatamente, diz o poeta, o dedo ficou carbonizado.

Arjuna sabia do poder da ira de Gandhari em luto, e se escondeu atrás de Vasudeva. A sábia e boa Gandhari dominou toda sua ira, abençoou os Pandavas e os mandou a Kunti.

Gandhari se dirigiu a Draupadi, que se lamentava, pela perda de seus filhos. "Querida menina", disse Gandhari. "Não fique triste. Quem pode consolar você e eu? Foi por minha culpa que esta grande dinastia foi completamente destruída de uma vez".

 

Capítulo 97

A Agonia de Yudhisthira

Os Pandavas executaram as cerimônias internas e externas para a paz das almas dos guerreiros mortos e acamparam na margem do Ganges por um mês.

Um dia, Narada apareceu perante Yudhisthira. "Filho, pela graça de Krishna, a bravura de Arjuna e o poder de seu dharma, você foi vitorioso e é o soberano da Terra. Você está feliz"? Perguntou ele.

Yudhisthira respondeu: "Bhagavan, é verdade que o reino veio para minha posse. Mas todos meus súditos se foram. Nós perdemos filhos que eram queridos. Esta vitória me parece uma grande derrota. Ó Narada, nós consideramos nosso próprio irmão como um inimigo e o matamos, mesmo assim Karna permaneceu firme como uma rocha em sua honra e cuja bravura o mundo admira.. Esse ato terrível de matarmos nossos próprios irmãos foi resultado de nosso apego pecaminoso por nossas propriedades. Karna, por sua vez, manteve a promessa que fez à nossa mãe e não nos matou. Ah! sou um pecador, uma pessoa baixa que assassinou seu próprio irmão. Minha mente está muito perturbada com esse pensamento. Os pés de Karna pareciam muito com os pés de nossa mãe. No grande salão, quando o grande ultraje foi cometido e minha ira despertou, quando olhei para seus pés, que pareciam tanto com os pés de Kunti, minha ira diminuiu. Agora me lembro disso e meu pesar aumenta".

Depois de dizer isso, Yudhisthira deu um profundo suspiro. Narada lhe contou tudo sobre Karna e as maldições que tinham pronunciado contra ele em várias ocasiões. Uma vez, quando Karna viu que Arjuna era superior a ele na arte dos arqueiros, aproximou-se de Drona e implorou para lhe ensinar como manejar a brahmastra. Drona se recusou e disse que não tinha permissão para instruir qualquer um, mas só um brâmane de conduta impecável ou um kshatriya que se purificou com muitas penitências. Depois disso, Karna foi para a cordilheira Mahendra e enganou Parashurama por dizer que era um brâmane e se tornou seu discípulo. Com ele, obteve instrução na arte dos arqueiros e no uso de muitas astras.

Um dia, quando Karna praticava com seu arco na floresta perto do ashrama de Parashurama, atingiu a vaca dum brâmane por acidente e a matou. O brâmane ficou irado e pronunciou uma maldição contra Karna: "Em batalha, as rodas de sua quadriga vão atolar na lama e você será mandado para a morte, do mesmo jeito que essa vaca inocente que você matou".

Parashurama gostava muito de Karna e ensinou a ele tudo que sabia sobre a arte dos arqueiros e o instruiu plenamente sobre o uso e retração da brahmastra.

Um dia, entretanto, descobriu que seu discípulo não era um brâmane. Um dia quando o mestre caiu no sono no colo de Karna, um verme fez um furo na coxa de Karna. Karna suportou a dor aguda e nem se mexeu, para que o mestre não acordasse. O sangue quente que saía da ferida acordou Parashurama. Quando viu o que aconteceu, ficou irado.

"Você é um kshatriya, senão como suportaria essa dor física sem se mexer. Diga-me a verdade. Você não é um brâmane. Você enganou seu mestre. Tolo! Quando chegar sua hora, seu conhecimento sobre astras falhará e o que você aprendeu com o engano não estará disponível para você".

O ódio de Parashurama contra os kshatriyas é muito bem sabido, quando descobriu que Karna era kshatriya, amaldiçoou-o em sua ira.

Karna era liberal para dar presentes. Um dia, Indra, que é o pai de Arjuna, veio disfarçado de brâmane e pediu a Karna como presente seus brincos e armadura divinos com os quais nasceu. Karna os tirou e deu ao brâmane de acordo. Desde então, a força de Karna foi reduzida.

"A promessa de Karna para sua mãe Kunti de que não mataria mais do que um dos cinco de vocês, a maldição de Parashurama, a ira do brâmane que teve a vaca morta por Karna, a forma como seu cocheiro Shalya o depreciou por diminuir sua bravura, e as estratégias de Vasudeva, tudo isso combinado causou o fim de Karna. Não fique aflito por achar que só você foi a causa de sua morte". Assim falou Narada, mas Yudhisthira não se consolou com essas palavras.

Kunti disse: "Não se culpe filho pela morte de Karna. O pai dele, o deus do Sol, implorou a ele. Ele pediu que ele abandonasse o perverso Duryodhana e se unisse a você. Eu também tentei. Mas ele não nos ouviu. Ele mesmo causou seu próprio fim".

Yudhisthira disse: "Você nos enganou, mãe, por esconder o segredo de seu nascimento de nós. Por isso, você se tornou a causa desse grande pecado. Que as mulheres não sejam capazes de guardar um segredo de hoje em diante".

Esta é a história de como Yudhisthira amaldiçoou todas as mulheres em sua angústia por ter matado seu próprio irmão mais velho. Por isso, observamos que as mulheres não conseguem guardar segredos.

Pode ser que em assuntos mundanos seja uma vantagem ser capaz de guardar segredos. Mas não é uma grande virtude do ponto de vista do caráter moral, e as mulheres não devem ficar tristes com esse tipo de incapacidade, se realmente o legado de Kunti ainda persistir.

O temperamento afetuoso natural das mulheres talvez as inclinem para a abertura. Mas algumas mulheres guardam segredos muito bem, enquanto nem todos os homens possuem essa capacidade. Nos Ensinamentos da Consciência de Krishna, aprendemos que não somos este corpo material. Portanto, não somos nem homem, nem mulher, nem brasileiro ou indiano, nem branco nem preto, ou qualquer outra denominação material. O corpo material é só uma cobertura ilusória e temporária de nosso verdadeiro eu.

Como o Senhor Chaitanya ensinou (Cc. Madhya 108): "jivera 'svarupa' haya - krsnera 'nitya-dasa': A posição constitucional do ser vivo (jiva) é de servo amoroso eterno de Krishna".

 

Capítulo 98

Yudhisthira Consolado

O sofrimento mental de Yudhisthira aumentava a cada dia quando pensava em todos os súditos que morreram na batalha. Ele estava tomado por um extremo remorso e decidiu que devia abandonar o mundo, ir para a floresta e praticar penitências para expiar seu pecado.

"Não vejo nenhuma alegria ou benefício", disse ele a seus irmãos, "em assumir a posição de rei ou no desfrute mundano. Governem a Terra vocês e me liberem para ir para a floresta".

Arjuna falou sobre a nobreza da vida familiar e de todo bem que alguém pode realizar sem ter que tomar sannyasa. Bhimasena também falou amargamente.

Ele disse: "Ai de mim! Você fala como uma pessoa de juízo obtuso que se submeteu a memorizar os textos dos shastras sem entender seu significado. Sannyasa não é o dharma de kshatriyas. O dever do kshatriya é viver uma vida ativa e realizar seu dever adequado, não ir para a floresta e renunciar a atividade".

Nakula também contestou a adequação da proposta de Dharmaputra e insistiu que o caminho da ação é o correto para seguir e o caminho de sannyasa é repleto de dificuldades.

Sahadeva também argumentou da mesma forma e implorou: "Você é meu pai, minha mãe, meu professor, bem como meu irmão. Não nos abandone, fique conosco".

Draupadi também falou: "Foi certo que matamos Duryodhana e seus homens. Por que temos que nos arrepender? Entre os deveres do rei, está a aplicação da punição. Não pode ser evitado e é uma parte essencial do dever dum governante. Você aplicou a punição justa para malfeitores. Não há motivo para contrição. Seu dever sagrado agora é assumir o fardo de governar a Terra de acordo com dharma. Pare de lamentar".

Então Vyasa conversou com Yudhisthira por um longo tempo, e explicou-lhe qual era seu verdadeiro dever com a citação de precedentes, assim o persuadiu a ir para a cidade e aceitar o fardo de governar a Terra.

Yudhisthira foi devidamente coroado em Hastinapura. Antes de assumir seus deveres de estadista, Yudhisthira foi até onde Bhisma permanecia deitado em sua cama de flechas a esperar pela morte, e pediu suas bênçãos e instruções sobre dharma. As Instruções de Bhismadeva para o rei Yudhisthira estão na famosa seção Shantiparva do Mahabharata.

(Recomendamos mais uma vez a leitura do Srimad Bhagavatam de Sua Divina Graça Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja Prabhupada, Primeiro Canto, Capítulo Nove, "O Falecimento de Bhismadeva na Presença do Senhor Krishna").

Depois das Instruções Transcendentais, a alma de Bhisma se foi. O rei foi até a mãe Ganga (rio Ganges) e ofereceu oblações, conforme o costume antigo, para a paz da alma que partiu.

Depois que a cerimônia acabou, Yudhisthira foi até a margem. Ficou ali em pé por um momento, todos eventos trágicos vieram de volta à sua mente, e desolado com muita angústia, ele caiu sem sentidos no chão, como um elefante atingido por um caçador.

Bhima foi até seu irmão mais velho, pegou-o no colo com afeto e falou para ele palavras de consolo. Dhritarastra também veio e disse a Yudhisthira:

"Você não deve sofrer tanto assim. Levante-se e, com a ajuda de seus irmãos e amigos, governe o reino que espera por você. Seu dever agora é fazer o que diz respeito ao ofício de rei. Deixe o pesar para Gandhari e eu. Você conseguiu a vitória em batalha de acordo com o dharma dos guerreiros. Os deveres conseqüentes dessa vitória esperam por sua atenção agora. Fui muito tolo em não ouvir as palavras de Vidura, e cometi um grande erro. Eu dei atenção às palavras ignorantes de Duryodhana e enganei a mim mesmo. Assim como o ouro visto num sonho, a glória sumiu. Meus cem filhos desapareceram no mundo do nada. Mas considero você como meu filho agora. Não fique triste".

 

Capítulo 99

Inveja

Depois que a cerimônia de oblações a Bhismadeva acabou, Vyasa contou para o desolado Yudhisthira um episódio da vida de Brihaspati. Até as pessoas mais sábias às vezes se afetam com inveja e sofrem as conseqüências. Brihaspati, preceptor dos próprios deuses, é o mestre de todo conhecimento. Ele é versado em todos os Vedas e ciências, mesmo assim, uma vez foi vítima dessa emoção desprezível e sofreu desgraça.

Brihaspati tinha um irmão mais jovem, Samvarta, que também era uma pessoa de grande sabedoria e um homem muito bom. Por causa disso, Brihaspati foi afetado com inveja de seu irmão.

Neste mundo, pessoas se tornam invejosas de outras, apenas por que as outras são boas, enquanto elas próprias não são tão boas, e não conseguem suportar isso. É mesmo estranho que as pessoas não sofrem pela virtude equilibrada de outras.

Brihaspati perseguiu Samvarta de várias formas. Quando não conseguiu agüentar mais, o pobre Samvarta assumiu a aparência dum excêntrico e vagueava dum lugar a outro, e passou seus dias na tentativa de escapar da perseguição de seu irmão.

O rei Marutta da dinastia de Iksvaku realizou grandes penitências e obteve do Senhor de Kailasa (Shiva) uma grande mina de ouro no Himalaia, e com seus recursos aumentados, decidiu executar um grande sacrifício.

Marutta pediu a Brihaspati para conduzir o sacrifício. Mas Brihaspati temia que Marutta superasse os deuses como resultado do sacrifício, o que era seu objetivo.

Ele recusou o convite do rei, apesar das tentativas insistentes. Até que o rei Marutta soube do paradeiro de Samvarta e se aproximou dele com o convite para conduzir seu sacrifício.

A princípio, ele recusou e tentou evitar a honra, mas finalmente concordou. Isso fez com que a inveja de Brihaspati por seu pobre irmão aumentasse.

"Eis aí um inimigo meu, Samvarta, que conduzirá o grande sacrifício de Marutta. O que farei"? Assim pensou Brihaspati até que sua inveja afetou sua saúde. Sua saúde declinou rapidamente e ele ficou magro e pálido. Sua condição piorava a cada dia, até que chamou a atenção do próprio Indra.

Indra, o rei dos deuses, aproximou-se de seu preceptor divino, saudou-o e perguntou: "Senhor, por que está doente? O que causou esse definhamento? Você dorme bem? Os atendentes lhe servem direito? Eles antecipam seus desejos sem esperarem que lhe digam? Os deuses se comportam com cortesia para você ou tem algum lapso sobre isso"?

Brihaspati respondeu ao questionamento ansioso de Indra: "Devaraja, durmo numa boa cama e na hora certa. Os atendentes me servem com devoção. Não há nada a desejar no respeito e cortesia mostrado pelos deuses". Então sua voz falhou e ele não conseguiu continuar. De tão grande que era o abatimento de seu espírito.

Indra perguntou com afeto: "Por que está triste. Por que emagreceu tanto e está pálido? Diga-me o que perturba sua mente".

Brihaspati então contou a Indra, e disse: "Samvarta irá conduzir um grande sacrifício. É por isso que estou tão pálido e magro. Não posso evitar". Indra ficou surpreso.

"Sábio brâmane, não há nenhum objeto de desejo que já não seja seu. Você é sábio e erudito, e os próprios deuses aceitaram você como seu sacerdote e sábio conselheiro. Que mal Samvarta pode fazer a você? Não há nada que possa perder por causa disso. Por que se submete a esse sofrimento sem necessidade por mera inveja"?

É espantoso que Indra esquecesse de sua própria história até então e desse conselho sobre boa conduta com tanta humanidade. Mas Brihaspati refrescou sua memória sobre o assunto e perguntou: "Você mesmo olharia com prazer o poder de seu inimigo aumentar? Julgue-me como você ficaria deprimido na minha posição. Imploro que me salve contra esse Samvarta. Você tem que encontrar um jeito de derrubar esse homem".

Indra foi até Agni, e disse a ele: "Vá e impeça o yajña de Marutta de alguma forma".

O deus do fogo concordou e partiu para sua missão. As árvores e arbustos em seu caminho pegaram fogo e a Terra tremia enquanto ele andava e rugia.

Ele se apresentou perante o rei em sua forma divina.

O rei ficou altamente feliz em ver Agni em sua frente. Ele mandou seus serventes prestarem todas as honras de costume da hospitalidade. "Convide-o para sentar. Lavem seus pés, e tragam os presentes apropriados para sua grandeza", disse o rei, e assim foi feito.

Agni então explicou porque veio. "Abandone esse Samvarta. Se você precisa dum sacerdote, eu trarei Brihaspati em pessoa para ajudá-lo".

Samvarta, que ouviu isso, ficou indignado. A ira de quem levou uma vida de brahmachari estrito era extremamente potente.

"Pare essa conversa"! disse ele a Agni. "Não deixe que minha ira o queime".

O fogo reduz as coisas a cinzas, mas brahmacharya pode queimar o próprio fogo!

Com a ira de Samvarta, Agni tremia como uma folha de faia, e fugiu rápido. Ele voltou para Indra e contou o que aconteceu.

O rei dos deuses não pôde acreditar na história. "Agni, você queima as coisas no mundo. Como algo pode queimar você? Que história é essa que os olhos irados de Samvarta vão reduzi-lo a cinzas".

Agni disse: "Não é assim, rei dos deuses. O poder de brahmacharya e a potência adquirida não são desconhecidos para você". Agni então lembrou Indra sobre o que já tinha sofrido, quando foi vítima da ira daqueles que obtiveram o poder de brahmacharya.

Indra não discutiu mas chamou um Gandharva e disse: "Agni falhou. Agora, quero que você vá como meu mensageiro e peça para Marutta abandonar Samvarta. Diga-lhe que se não fizer isso, ele sofrerá minha ira e será destruído".

O Gandharva foi de acordo até o rei Marutta e transmitiu fielmente a mensagem com o aviso de Indra.

O rei não concordou, e disse: "Não vou ser culpado do pecado mortal de desertar um amigo fiel. Não posso abandonar Samvarta".

O Gandharva disse: "Ó rei, como vai sobreviver quando Indra lançar seu raio contra você"?

Assim que disse isso, as nuvens trovejaram e todos perceberam que o deus do raio vinha, e tremeram de medo.

O rei ficou com muito medo e implorou a Samvarta para salvá-lo.

"Não tenha medo", disse Samvarta ao rei, e colocou o poder de sua penitência em ação.

Indra, que veio para combater, foi forçado a mudar sua intenção para a paz benevolente e participar do yajña como o deus radiante dos sacrifícios. Ele recebeu as oferendas do fogo na forma apropriada e se retirou. O plano invejoso de Brihaspati falhou miseravelmente. Brahmacharya triunfou. Inveja é um pecado mortal. É uma doença universal. Se Brihaspati que pode derrotar a própria deusa do conhecimento com sua sabedoria se tornou vítima da inveja, o que dizer sobre mortais ordinários?

 

Capítulo 100

Utanga

Quando a batalha acabou, Krishna se despediu dos Pandavas e foi para Dwaraka. No caminho, Ele encontrou seu velho amigo brâmane Utanga. Krishna parou, desceu de Sua quadriga e saudou o brâmane.

Utanga retribuiu a saudação e fez as perguntas usuais sobre a prosperidade e bem estar dos parentes. Ele perguntou: "Madhava, Seus primos Pandavas e Kauravas se amam mutuamente como os irmãos devem? Eles estão bem e prosperam"?

O asceta inocente não sabia sobre a grande batalha que aconteceu. Krishna ficou espantado com essa pergunta do amigo brâmane. Por um momento, ele ficou em silêncio sem saber o que dizer em resposta. Então, revelou suavemente o que aconteceu.

"Senhor, uma terrível batalha foi travada entre os Pandavas e os Kauravas, tentei muito e usei todos meios possíveis para prevenir a luta e fazer as pazes entre eles. Eles não deram atenção. Quase todos os homens morreram no campo de batalha. Quem pode impedir a mão do destino"? Assim Ele relatou tudo que aconteceu.

Quando Utanga ouviu a narrativa, ficou extremamente irritado. Com os olhos vermelhos de indignação, ele falou a Madhava: "Vasudeva, Você estava presente lá e deixou tudo isso acontecer? Você falhou com Seu dever mesmo. Você realmente praticou a fraude e os deixou serem destruídos. Prepare-Se agora para receber minha maldição"! Vasudeva disse: "Paz, paz! Acalme-se. Não use o fruto de suas grandes penitências com essa sua raiva. Ouça o que Eu vou dizer, e depois, se quiser, pode pronunciar sua maldição".

Krishna acalmou o brâmane indignado e apareceu para ele em Sua Forma Universal, Visvarupa.

"Eu apareço de tempos em tempos em Minhas Formas transcendentais para salvar o mundo do mal e estabelecer o bem. Em qualquer Forma que Eu apareço, devo agir conforme a natureza dessa Forma. Quando apreço como um Deva, atuo como um Deva. Se apareço como um Yaksha ou Rakshasa, faço tudo como um Yaksha ou Rakshasa. Se apareço como um ser humano, ou como animal, faço o que é natural para esse nascimento e cumpro Minha missão. Eu implorei com muito empenho aos Kauravas ignorantes. Eles eram arrogantes e inebriados pelo poder, e não deram atenção ao Meu aviso. Tentei intimidá-los. Mas também falhei. Eu fiquei irado e até mostrei a eles Minha Visvarupa. Até isso falhou em convencê-los. Eles persistiram no mau caminho. Eles promoveram a guerra e perderam. Ó melhor dos brâmanes, você não tem motivo para ficar com raiva de Mim".

Depois dessa explicação de Krishna, Utanga recobrou sua calma. Krishna ficou satisfeito.

Krishna disse: "Quero lhe dar uma bênção. O que você quer"?

Utanga disse: "Achyuta, foi mais do que suficiente eu ver Você e Sua Forma Universal. Eu não desejo mais nenhuma bênção".

Mas Krishna insistiu e o brâmane simples que peregrinava pelo deserto disse: "Bem, meu Senhor, se quer me dar uma bênção, deixe que eu ache água para beber sempre que sentir sede. Dê-me essa bênção".

Krishna sorriu, e disse: "É só isso? Assim seja". E continuou Sua viagem.

Um dia, Utanga estava com muita sede e sem conseguir encontrar água em parte alguma do deserto, pensou na bênção que recebeu.

Logo que fez isso, Nishada apareceu em sua frente, vestido com trapos sujos. Ele segurava cinco cães de caça pela coleira e um cantil de couro em seu ombro.

Então Nishada sorriu para Utanga, e disse: "Parece que você está com sede. Aqui tem água para você". Estirou o bambu que segurava seu cantil de couro para o brâmane poder beber.

Utanga olhou para o homem, seus cães e o cantil de couro, e falou com desgosto: "Amigo, eu não preciso disso, obrigado". Ao dizer isso, lembrou de Krishna e O reprovou em sua mente: "Essa foi a bênção que me deu"?

O pária Nishada pressionou Utanga várias vezes para saciar sua sede, mas isso só deixou Utanga com mais raiva e recusou a água. O caçador e seus cães desapareceram.

Ao ver o desaparecimento estranho de Nishada, Utanga refletiu: "Quem era esse? Não poderia ser o verdadeiro Nishada. Com certeza foi um teste e fui reprovado miseravelmente. Minha filosofia me desertou. Rejeitei a água oferecida por Nishada e provei que sou um tolo arrogante".

Utanga ficou muito deprimido. No momento seguinte, Madhava apareceu em pessoa com o búzio e o disco. Utanga exclamou: "Ó Purushottama! Você me fez um teste difícil. Será que foi certo Você me testar assim? Fazer um intocável me oferecer água impura para beber, um brâmane. Isso foi bom"? Utanga falou amargurado.

Janardhana sorriu: "Ó Utanga, para o seu bem, quando pôs sua bênção em ação, Eu pedi a Indra para levar amrita para você como se fosse água. Ele disse que não poderia dar a um mortal o que lhe daria a imortalidade, apesar de querer fazer qualquer outra coisa. Mas Eu insisti e ele concordou em levar amrita e dar a você como água, contanto que Eu permitisse que ele viesse como um chandala e testasse o seu entendimento para ver se você aceitaria água dum chandala. Aceitei o desafio por achar que você alcançou jñana e transcendeu as aparências. Mas você agiu dessa forma e Me fez ser derrotado pelas mãos de Indra". Utanga enxergou seu erro e ficou envergonhado.

 

Capítulo 101

Meio Quilo de Farinha

Quando Yudhisthira foi coroado e empossado como rei depois da batalha de Kurukshetra, realizou um grande asvamedha yajña. Como era o costume na ocasião desse grande sacrifício do cavalo, todos príncipes da Terra eram convidados para se reunirem no yajña, que era feito com grande esplendor. Os brâmanes, os pobres e os necessitados que viam em grandes multidões de todas partes do país, recebiam presentes generosos. Tudo era feito de forma magnífica e de acordo com as prescrições das Escrituras para esse sacrifício.

De repente, uma doninha apareceu, de algum lugar sem ser vista, bem no meio dos convidados e sacerdotes reunidos no grande salão, rolou no chão deu uma risada alta em menosprezo como se fosse uma pessoa. Os sacerdotes ficaram alarmados com essa ocorrência não natural e acharam que era algum espírito maligno que veio para poluir e perturbar os rituais sagrados.

O corpo da doninha brilhava dum lado como se fosse ouro. Essa criatura formidável girou e lançou um olhar penetrante em toda assembléia de príncipes e brâmanes eruditos que vieram de vários países e estavam reunidos no grande pavilhão, e começou a falar:

"Príncipes e sacerdotes reunidos, ouçam-me. Vocês acham sem dúvida que completaram seu yajña de forma esplêndida. Certa vez, um brâmane pobre que vivia em Kurukshetra deu de presente meio quilo de farinha de milho. O grande sacrifício do cavalo de vocês e todos os presentes que deram em relação a ele são menores do que esse pequeno presente do brâmane de Kurukshetra. Vocês parecem achar que fizeram muito nesse seu yajña. Peço, que não fiquem tão vaidosos por causa dele".

A assembléia ficou pasma com a fala estranha e impertinente da doninha dourada. Os sacerdotes brâmanes, que executaram os rituais do sacrifício, voltaram-se para a doninha e falaram:

"De onde você veio e por que veio a este yajña, realizado por pessoas boas e honestas? Quem é você? Por que você profere palavras de escárnio sobre nosso sacrifício? Este asvamedha foi completado com todos pequenos detalhes de acordo com as regras dos shastras. Não é correto que você fale com menosprezo do nosso grande sacrifício. Todos os que vieram a este yajña foram atendidos propriamente e com as devidas honras e presentes. Todos estão satisfeitos com seus presentes e irão felizes e satisfeitos. Os mantras foram cantados perfeitamente e as oblações devidamente oferecidas. As quatro castas estão satisfeitas. Por que você fala dessa forma então? Explique-se".

A doninha riu novamente e disse: "Ó brâmanes, o que disseram é verdade. Eu não invejo a boa fortuna do rei Yudhisthira ou a boa fortuna de qualquer um de vocês. Não é por inveja que falei. O yajña, que vocês acabaram de completar com tanto esplendor, não é mesmo maior do que o presente do brâmane pobre, que eu vi. E como recompensa pelo seu presente, ele, sua esposa, sua nora e seu filho foram levados imediatamente a swarga. Ouçam minha história que é uma narração verdadeira do que eu vi com meus próprios olhos. Muito tempo antes de vocês travarem sua batalha lá, um brâmane que vivia em Kurukshetra, obtinha sua comida diária por coletar restos nos campos. Ele, sua esposa, seu filho e sua nora, todos quatro viviam dessa forma. Todos os dias no fim da tarde, eles sentavam e tomavam sua única refeição diária. Nos dias que não conseguiam encontrar nada, jejuavam até a próxima tarde. Eles nunca guardavam nada para o dia seguinte se conseguissem mais do que o suficiente para aquele dia. Assim era sua rígida disciplina do voto de pobreza que assumiram. Eles passaram seus dias dessa forma por muitos anos, até que veio uma grande seca e havia fome por toda parte. Todo cultivo parou, ninguém plantava nem colhia, e não havia grãos nos campos para serem catados. O brâmane e sua família passaram fome por muitos dias. Um dia, depois de andarem muito com fome e calor, com muita dificuldade encontraram uma pequena quantidade de milho, que coletaram. Eles moeram o milho e depois de dizerem suas preces de agradecimento a Deus, dividiram a farinha em quatro partes iguais e se sentaram avidamente para comer. Nesse momento, um brâmane entrou e estava com muita fome. Ao verem um convidado inesperado entrar, eles se levantaram, prestaram reverências e o convidaram para acompanhá-los. O brâmane de alma pura, sua esposa, filho e nora ficaram extremamente felizes em terem a boa fortuna de receberem um convidado naquele momento. 'Ó melhor dos brâmanes, sou um homem pobre. Esta farinha de milho foi obtida de acordo com dharma. Faça o favor de aceitar. Que você seja abençoado', disse o brâmane de Kurukshetra e deu sua parte da farinha para o convidado. O convidado comeu avidamente mas ainda estava faminto quando acabou. Ao ver sua aparência de ainda faminto e insatisfeito, o brâmane ficou triste e não sabia o que fazer, quando sua esposa disse: 'Senhor, dê a minha parte para ele também. Eu ficarei contente se a fome do visitante for satisfeita'. Ao dizer isso, ela deu sua parte da farinha para seu esposo oferecer ao visitante. O brâmane disse: 'Esposa fiel, as feras, os pássaros e todos animais cuidam das fêmeas de suas espécies com muito cuidado. O homem pode fazer pior? Não posso aceitar sua sugestão. O que vou ganhar neste ou no outro mundo se deixá-la definhar e sofrer de fome, você que me ajuda e me serve com os deveres sagrados da vida familiar? Bem amada, você está pele e osso e com fome extrema. Como posso deixá-la sofrer nessa situação e esperar obter qualquer benefício em alimentar o visitante? Não, não posso aceitar sua oferta'. A esposa respondeu: 'Você é versado nos shastras, melhor dos brâmanes. Não é verdade que dharma, artha e todos objetos da atividade humana são comuns e de benefício igual para nós dois que fomos unidos? Não fique com pena de mim, pegue minha parte da farinha e satisfaça as necessidades do nosso convidado. Você está com tanta fome quanto eu, e não deve fazer nenhuma distinção entre nós. Eu imploro que não negue meu pedido'. O brâmane concordou, pegou a parte de sua esposa e deu para o convidado que pegou com avidez e comeu. Mas ele ainda estava com fome! A tristeza do brâmane de Kurukshetra foi grande. Seu filho que viu isso veio e disse: 'Pai, aqui está minha parte. Dê para o convidado que parece estar com fome ainda. Eu ficarei muito feliz se formos capazes de cumprir nosso dever'. A angústia do pai aumentou ainda mais. Ele exclamou: 'Filho, pessoas velhas podem suportar a fome. A fome de jovens é severa. Não sou capaz de encontrar em meu coração nada para aceitar sua oferta'. O filho insistiu: 'É obrigação do filho cuidar de seu pai nos anos de velhice. O filho não é diferente do pai. Não é dito que o pai nasce renovado no filho? Minha parte da farinha é sua mesmo. Eu imploro que você aceite e alimente esse convidado faminto'. 'Querido filho, sua nobreza e seu controle dos sentidos me deixam orgulhoso. Seja abençoado. Vou aceitar sua parte'! Disse o pai, pegou a farinha do filho e deu para o convidado comer. O convidado comeu a terceira parte da farinha mas ainda assim estava com fome! O brâmane, que vivia de grãos espalhados no chão, ficou confuso. Enquanto estava angustiado, sem saber o que fazer, sua nora falou com ele: 'Senhor, eu também vou dar minha parte com alegria para completar o seu esforço de alimentar o visitante. Eu imploro que você aceite e me abençoe, sua filha, pois assim, obterei o benefício eterno como recompensa'. O sogro ficou triste extremamente. 'Ó menina de caráter impecável, pálida e magra por causa da fome, você propôs dar sua parte da comida para mim também, para que possa obter o mérito de atender um visitante. Se aceitar sua oferta, vou ser culpado de crueldade mesmo. Como posso olhar você definhar de fome'? A nora não deu atenção. 'Pai, você é o senhor do meu senhor e mestre, preceptor do meu preceptor, deus do meu deus. Imploro que aceite minha farinha. Este meu corpo não é dedicado plenamente ao serviço de meu senhor? Você tem que me ajudar a obter o benefício. Pegue a farinha, eu imploro'. Assim com o pedido de sua nora, o brâmane aceitou sua parte e a abençoou: 'Menina leal, que você tenha todo o bem'! O convidado recebeu sua última porção e comeu avidamente e ficou satisfeito. 'Abençoada seja sua hospitalidade, dada com a mais pura intenção e o máximo de sua capacidade. Seu presente me satisfez. Do alto, os deuses chovem flores de admiração pelo seu sacrifício extraordinário. Veja os deuses e os Gandharvas desceram com suas quadrigas brilhantes junto com seus serventes para levar você com sua família para as regiões superiores de felicidade. Seu presente conquistou swarga para você, bem como para seus antepassados. A fome destrói o entendimento da pessoa. Faz com que se desviem do caminho da decência. Conduz a pensamentos malignos. Os piedosos, quando sofrem as dores da fome, perdem sua firmeza. Mas você, mesmo com fome, deixou bravamente seu apego por esposa e filhos, e pôs dharma acima de tudo. Sacrifícios rajasuya e sacrifícios asvamedha realizados com esplendor, definham em insignificância com o grande sacrifício que você fez com esse único ato de hospitalidade. A quadriga espera por você. Entre e vá para swarga, você e sua família'. Depois de dizer isso, o visitante misterioso desapareceu.

Depois de contar essa história do brâmane de Kurukshetra que vivia por catar grãos dos campos, a doninha continuou:

"Eu estava perto e senti a fragrância da farinha daquele brâmane. Isso tornou minha cabeça toda dourada. Então, eu fui e rolei com muita alegria no chão onde havia um pouco da farinha espalhada. Isso fez com que um de meus lados ficasse todo dourado brilhante. Virei do outro lado mas não tinha mais farinha e este meu lado ficou do mesmo jeito que era. Desejei deixar meu corpo todo dourado, por isso vou em todos lugares onde as pessoas realizam grandes sacrifícios e penitências. Ouvi que Yudhisthira de fama mundial ia realizar um yajña e vim aqui, na esperança de que este sacrifício chegasse no padrão. Mas vi que não chegou. Por isso, disse que seu grande asvamedha não foi tão grande quanto o monte de farinha que o brâmane deu a seu convidado". A doninha desapareceu então.

 

Capítulo 102

Yudhisthira Reina

As pessoas perseguem seu objeto de desejo até conseguirem. Quando está na sua posse, fica logo satisfeita, mas se torna escrava de sempre novos anseios e novos pesares e não encontra paz.

Apesar que lutar e matar seus inimigos seja um dharma kshatriya, que felicidade se pode obter com poder, posição e riqueza obtidos com a matança e a dor infligidas em irmãos e parentes? Isso que Arjuna argumentou em seu momento de dúvida para Krishna quando a batalha ia começar. Os Ensinamentos de Krishna sobre isso são o Bhagavad-gita.

Os Pandavas derrotaram os Kauravas e se tornaram os soberanos inquestionáveis da Terra. Eles assumiram seus deveres e os realizaram de acordo com dharma. Mas não conseguiam encontrar a satisfação que esperaram.

O rei Janamejaya perguntou a Vaisampayana, que recitou o Mahabharata para ele: "Quando os Pandavas venceram e recuperaram o reino, como trataram Dhritarastra"? E ele contou a história.

Os Pandavas trataram Dhritarastra com o máximo de respeito, que estava afundado num mar de tristeza. Eles tentaram deixá-lo feliz. Eles não faziam nada que pudesse deixá-lo humilhado. Yudhisthira não dava nenhuma ordem sem o seu consentimento. Gandhari, cujos cem filhos desapareceram como o ouro num sonho, era cuidada por Kuntidevi com dedicação amorosa e fraterna, e Draupadi cuidava das duas com respeito igual.

Yudhisthira mobiliou a casa de Dhritarastra com poltronas, sofás e decorações suntuosas, e tudo mais que ele desejava. Ele mandava da cozinha imperial os pratos mais finos e saborosos preparados para ele. Kripacharya vivia com Dhritarastra e fazia companhia para ele. Vyasa o animava com histórias antigas, selecionadas para suavizar sua tristeza.

Na administração dos assuntos de estado, Yudhisthira consultava Dhritarastra e se comportava para dar a sensação de que o reino era governado por ele, e que ele como membro mais velho da família era a autoridade suprema.

Yudhisthira sempre tomava muito cuidado quando falava, para não dizer nada que causasse dor ao velho rei desolado. Os príncipes que viam a Hastinapura de todas partes do mundo, prestavam as mesmas honras a Dhritarastra como faziam antes, como se ele ainda fosse o imperador.

As mulheres serventes nunca davam motivo para Gandhari se sentir diminuída. Yudhisthira instruiu seus irmãos seriamente para terem o cuidado de não fazer nada que causasse a menor mágoa a seu tio, que perdeu todos os filhos.

Os irmãos, talvez com a exceção de Bhima, seguiam essa ordem fervorosamente. Dhritarastra também se comportava com afeto em relação aos Pandavas. Ele não demonstrava nenhum desgosto com eles do mesmo modo como não eram indelicados com ele. Os Pandavas se comportaram excepcionalmente bem para com seu velho tio. Depois de algum tempo, entretanto, Bhima começou em algumas ocasiões a dar motivo para ofensa. Algumas vezes, por impaciência, ele contrariava as ordens do velho tio. Ele deixava Dhritarastra ouvir palavras como: "Aqueles primos perversos devem agradecer pela sua destruição".

Para Bhima não era possível esquecer ou perdoar Duryodhana, Karna ou Dushasana. Gandhari ficava muito triste quando notava que Bhima falava para ferir Dhritarastra. Ela, entretanto, era uma alma nobre e iluminada. Sempre que ficava magoada com o que Bhima dizia, olhava para Kunti e ficava aliviada. Porque Kunti era a própria personificação de dharma e inspirava o perdão. Quinze anos se passaram dessa forma.

 

Capítulo 103

Dhritarastra

Quinze anos se passaram sob o reinado do rei Yudhisthira, quando o velho Dhritarastra se sentiu incapaz de suportar mais o peso da tristeza.

Magoado com as repreensões ocasionais de Bhima, ele não conseguia mais aceitar as cortesias e o conforto providenciados pelas ordens do rei Yudhisthira. Sem os Pandavas saberem, ele jejuou e se submeteu a severas penitências secretamente.

Gandhari também observou os jejuns e se submeteu a muitas privações. Um dia, Dhritarastra foi até Dharmaputra e falou o seguinte:

"Filho, seja abençoado. Passei quinze anos felizes sob seu teto. Você me tratou com o máximo de afeto. Eu dei caridade, fiz oferendas aos antepassados e satisfiz todos meus desejos em todos aspectos. Gandhari desolada, deixou de lado sua própria dor, e se submeteu às minhas limitações físicas todos esses anos. Meus filhos cruéis, que cometeram uma injúria imperdoável contra Draupadi, e o privaram de sua herança legal, morreram por causa de seus pecados. Mas eles lutaram como soldados bravos, morreram no campo de batalha e foram para as regiões superiores de felicidade reservadas para os bravos. Chegou a hora de Gandhari e eu fazermos o que deve ser feito para nosso próximo estágio. Você sabe o que os shastras prescrevem. Eu devo ir para a floresta. Estas vestes reais devem ser trocadas por cascas de árvores e trapos velhos, adequados para a vida vanaprastha. Eu desejo ir embora e morar na floresta, e orar pelo seu bem. Quero sua permissão para isso. Deixe-me seguir o caminho de nossos pais. Como o rei, você compartilhará os frutos da minha penitência".

Yudhisthira ficou chocado quando viu Dhritarastra e o ouviu falar assim. Ele disse: "Eu não sabia que você jejuava e dormia no chão duro e mortificava sua carne assim. Meus irmãos também não sabem disso. Enganei-me em pensar que você estava bem cuidado e feliz. Pai, você sofreu muita dor, que não pode ter consolo. Não vejo nenhum bem em reino nem em prazeres. Sou um pecador. Desejo e ambição me enganaram para isto. Que seu filho Yuyutsu seja o rei, ou qualquer outro da sua escolha. Ou se desejar, você mesmo pode assumir os deveres de rei e cuidar do povo. Eu irei para a floresta. Deixe-me encerrar este capítulo de erros. Eu imploro que me salve de mais infâmia e fogo ardente. Eu não sou o rei. Você é o rei. Você pede minha permissão para ir. Como posso dar ou negar permissão a você? Deixe-me assegurar a você que minha ira por Duryodhana é algo do passado, que se foi sem deixar nenhum vestígio. O destino assim desejou e nos envolveu na confusão mental. E os eventos aconteceram pois não estavam sob o nosso controle. Nós somos seus filhos, como Duryodhana e seus irmãos. Gandhari e Kunti são mães iguais para mim, e eu, seu filho, tenho consideração igual e afeição igual por elas. Se você for para a floresta, tenho que ir com você e servi-lo lá. Se você se retirar para a selva e me deixar aqui, que alegria poderei ter com o reinado? Eu me prostro a você e imploro que perdoe os erros de que somos culpados. A dedicação a você me dá a verdadeira alegria e paz mental. Dê-me essa oportunidade e privilégio. Não me deserte".

Dhritarastra ficou muito comovido. Mas ele disse: "Filho amado de Kunti, minha mente está fixa em ir para a floresta e fazer penitência. Não posso encontrar paz de outra forma. Vivi sob seu teto por muitos anos. Você e todos os seus me serviram com dedicação impecável. Agora você tem que permitir que eu satisfaça meu desejo e deixe-me ir".

Depois de falar assim para Yudhisthira, que estava com as mãos postas e tremia de agitação, Dhritarastra se dirigiu a Vidura e Kripacharya: "Imploro que vocês consolem o rei e o convençam de consentir com meu pedido. Minha mente está fixa na floresta. Não tenho mais condições de falar. Sinto minha garganta seca. Talvez, devido à idade. Já falei demais. Estou cansado". Ao dizer isso, ele encostou em Gandhari e desmaiou.

Yudhisthira não pôde suportar a depressão deste grande homem velho, que possuía o vigor dum elefante e tinha força suficiente para triturar em pó uma estátua de metal que representava Bhima.

Como estava tão magro agora e definhado, com seus ossos visíveis na pele, encostado sem sentidos comoventemente em Gandhari como um desamparado.

Ele repreendeu a si mesmo: "Eu sou a causa disto! Como sou miserável e indigno, ignorante sobre dharma, desprovido de inteligência. Amaldiçôo minha educação"!

Ele borrifou água na face de Dhritarastra e deu leves tapas com suas mãos macias em sua face.

Então o velho rei se recobrou, ele abraçou o Pandava com ternura e balbuciou: "Meu querido rapaz, como é doce o seu toque! Eu estou feliz".

Nesse momento, Vyasa entrou. Quando soube o que aconteceu, disse a Yudhisthira:

"Faça o que Dhritarastra, o mais velho dos Kurus, deseja. Deixe-o ir para a floresta. Ele está velho. Todos seus filhos se foram antes dele. Não é possível para ele suportar sua dor por muito mais tempo. Gandhari, que Deus abençoou com iluminação, suportou seus pesares com coragem. Não fique no caminho dos desejos deles. Não deixar Dhritarastra ir embora e morrer aqui. Deixe-o ir e viver entre as flores que dão mel na floresta e respire a fragrância delas, assim deixe as preocupações mundanas para trás. O dharma de reis é morrer em batalha ou passar seus últimos dias em retiro na floresta. Dhritarastra governou o reino e executou yajñas. Quando vocês ficaram na vida selvagem por treze anos, ele desfrutou da Terra inteira junto com seus filhos, e deu muita caridade generosa. Você o deixou sem nada para desejar. Chegou a hora dele fazer penitência. Deixe-o ir com seu consentimento amável, e sem ira em seu coração".

Dharmaputra disse: "Assim seja"!

Então Vyasa voltou para seu eremitério.

 

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